domingo, 26 de dezembro de 2010

Penélope Charmosa é que sabe das coisas

         
        Pedir ajuda é um ponto sensível das meninas más. Em nossa cabeça perturbada, só pede ajuda quem é fraco. E, oras, uma menina má é forte, muito forte. Aguenta todos os trancos. Resolve todos os problemas, os seus, os dos outros e quem sabe os da humanidade. Uma menina má sabe tudo, sobre qualquer assunto. E, se não souber, vai lá e aprende, pronto. Simples assim.

        Mas tem horas que não dá. Tem horas que bate na gente a Cinderela. E então você olha ao redor e vê as meninas boazinhas com seus príncipes de plantão, resolvendo tudo por elas, e pensa: poxa, hoje eu queria um assim pra mim. Mas aí não adianta, que droga. Só tem príncipe quem age como princesa. Tem que ser frágil, tem que se mostrar insuficiente, tem que cultivar um padrão de comportamento e manter a constância. Porque príncipes gostam de ser heróis, salvar mocinhas que estão em perigo o tempo todo. Penélope Charmosa sabe muito bem disso, a arte da manipulação. E aí você repensa todo o seu comportamento, e fala pra si mesma: por que eu tenho essa mania de resolver tudo sozinha?

        E a cabeça perturbada resolve, então, que vai bancar a Penélope. Faz um drama merecedor de Oscar da TV mexicana. Lógico, uma menina má é boa em tudo. Por que não criaria o melhor drama de todos, não sofreria a tragédia mais trágica, não sentiria a dor mais profunda que qualquer ser humano pode sentir? Pronto, humanidade, quero socorro!

        Pois é, mas ninguém acredita! Nenhum herói vem tirar você da torre em chamas. Os heróis estão todos ocupados, cuidando de mocinhas verdadeiramente frágeis. E você, que realmente está em uma torre em chamas, pega suas tranças inúteis, corta, faz uma corda bem firme e sai da torre, sozinha. Porque não lhe resta outra alternativa. E, afinal, você sempre soube que poderia sair sozinha mesmo. E, pior de tudo, foi você mesma quem lançou as chamas na torre, para chamar a atenção…

        Bom, tudo passa, você olha para trás e descobre que realmente exagerou. Não precisava de nada disso. Segue em frente, resolvendo os próprios problemas e os do resto do mundo. E lembra que príncipes babões te deixam um pouco irritada, especialmente porque, quando fazem as coisas por você, você se sente meio burra. Você gosta mesmo é de quem te olha e tem a certeza de que você é capaz de sair de qualquer enrascada, sozinha.

        Ah, mas o detalhe é que você também é meio louca. Então, um colinho de vez em quando cai bem, desde que sem exageros, é claro. Senão é mordida na certa.   

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Meninas más também cozinham


    Sim, é isso mesmo. Eu adoro cozinhar, especialmente para quem amo. E todo mundo se espanta quando eu digo isso. Anos de opressão feminina resultaram numa marginalização desse ato tão bonito. Crescemos escutando que quem cozinha é dona de casa, escrava, Amélia. E que mulheres modernas apenas trabalham e mal fritam um ovo. Miojo, então, que ato complexo!

    Cozinhar é lindo, uma arte. Cozinhando exercitamos nossos sentidos e várias habilidades diferentes. Olfato, visão, paladar, tato… e até audição, já que muitas vezes temos que ouvir pra sentir o ponto de cozimento, o ponto de liga da massa… Quais as ervas e os temperos que deixarão o prato mais cheiroso? A combinação de cores que o deixará mais apetitoso? O formato que será mais tentador?

    Cozinhando exercitamos nossa criatividade, nossa intuição. Transformamos alimentos que, sozinhos, quase nada significam, mas, juntos, tornam-se um bolo, uma torta, um assado, uma pizza… Como toda obra de arte, às vezes pode dar errado, mas sempre podemos tentar de novo. E aprender com os erros cometidos. Aprendemos a detectar o que não dá certo, para na próxima tentativa fazer com que funcione. Parecido com a vida, não?

    Além de tudo isso, cozinhar é antes de mais nada um ato de amor. A demonstração mais primitiva de amor feminino. Um aconchego, um carinho, um presente. Afinal, todo mundo gosta de dar prazer a quem se ama.

    E o feminismo, onde fica nisso tudo? Bem, eu diria que nada é mais escravizante do que depender de alguém. E de que adianta ser uma mulher independente e poderosa profissionalmente, se na hora de satisfazer uma necessidade tão básica como a fome dependemos da empregada doméstica, do congelado, do disk-pizza, do delivery chinês… Ok, eles são muito práticos, e agradeço a sua existência naqueles momentos de cansaço e preguiça. Mas o bacana é saber que podemos utilizar esses serviços porque queremos, e não porque somos deles totalmente dependentes. Isso também é escravidão.

     É isso, mulherada. Independência é não depender de ninguém. O que significa saber fazer, se necessário e se quisermos, o que nossas avós faziam, ainda que exista alguém que possa fazer por nós.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

E o Grande Amor?



      Meu amigo Paulo quer saber se existe o grande amor. Na verdade, ele acredita no grande amor, mas como a maioria das pessoas entende que isso é uma bobagem, ele quer que alguém diga a ele que existe sim o grande amor, e que isso não é loucura da cabeça dele.

      Calma Paulo, existe sim. Só que não é todo mundo que tem coragem de viver o grande amor. Porque o grande amor não é aquele dos filmes, das novelas, dos romances baratos.... O grande amor não surge da empatia imediata, da combinação absoluta de gostos e idéias. O grande amor é duro, difícil, conflituoso. O grande amor não concorda conosco. O grande amor nos faz chorar, mas depois nos faz rir. Nos faz sofrer, mas nos faz sentir as maiores alegrias do mundo. Nos faz querer matar ou morrer de tanta raiva, mas nos enche de ternura com um simples olhar.

     Pois é. O grande amor nos faz sentir todas as emoções que um pobre ser humano pode vivenciar.  Porque o grande amor não acontece com o ser perfeito para nós. Aliás, o grande amor só surge quando existe um ser imperfeito. E aliás, nós amamos por ser tão imperfeito. Ele não nos traz conforto, o que ele faz é nos sentirmos vivos. E fazendo com que a gente se sinta vivo, desperta em nós a vontade de criar, a vontade de trabalhar, a vontade de mudar, a vontade de revolucionar!

    Mas ele é uma questão de escolha. Muita gente percebe o grande amor mas prefere deixá-lo passar. Muito trabalho, muito desconforto. Viver é assim, a gente escolhe o caminho que quer, não é mesmo?

     E o prazo de validade... seria o grande amor, por ser grande, eterno? Bem, aí não sei... acho que o grande amor não existe por si só. Ele existe enquanto não morremos. Enquanto somos capazes de sermos únicos e despertar no outro a admiração, a raiva, o amor, o respeito. Enquanto não permitimos que o outro nos controle, enquanto não abrimos mão de nossos ideais, de nossos princípios, de nossas vidas... Enquanto formos capazes de emocionar um ao outro, aí sim o grande amor será eterno.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

"Seja boazinha, seja boazinha, sempre boazinha
E de vez em quando seja esperta,
Mas não seja boazinha demais,
Nem esperta demais
Por serem boazinhas demais
As pessoas ficam muito sozinhas,
E por serem espertas demais
São espicaçadas, alfinetadas e pisadas pelas que
são menos inteligentes, pois esse tipo de gente
vê a superioridade intelectual como ofensiva
já que não dispõem desse grande dom,
e estão prontas a demonstrar ressentimento
na forma acima indicada."

 - Mark Twain

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Tô caminhando do seu lado, mas não se preocupe, sei muito bem andar sozinha.
Mas, se eu cair, você me ajuda a levantar?

Marie Antoinette, de Sofia Coppola




       Marie Antoinette era austríaca e foi casada por conveniência aos 14 anos, com aquele que se tornaria mais tarde o insípido Luís XVI, o monarca francês à época da Revolução Francesa. Foi uma rainha impopular por diversos motivos. Suas festas, suas roupas, seu refinamento, tudo isso parecia a uma população empobrecida pela crise econômica uma afronta. A ela se atribuíam vários amantes e a responsabilidade pela absoluta incapacidade do rei de governar.

        Enfim, uma menina má, a quem se atribuiu historicamente a frase: “se o povo não tem pão, que coma brioches”. Verdadeira ou não, sintetiza a imagem que a rainha decapitada carregou ao longo dos séculos.

        Mas a Marie Antoinette que eu amo é a de Sofia Coppola. Vivida por Kirsten Durnst, a vienense é apenas uma adolescente assustada quando chega à corte francesa. E como toda menina má, começa a rir de todos aqueles cerimoniais incompreensíveis. E quando percebe que não tem mesmo jeito de se livrar deles, resolve deles desfrutar, com uma certa dose de ironia e deboche. Junta seus amigos, artistas, intelectuais, e resolve se divertir muito. Amantes? Bem, o filme mostra apenas um, o conde sueco Fersen, vivido por Jamie Dornan, que faria qualquer menina, má ou não, sucumbir.... Já que o maridinho rei parecia não se importar muito com o assunto.

        O filme mostra uma menina/mulher sensível e inteligente, apreciadora de filosofia, música, artes, tudo o que é belo. Divertida, mas um pouco triste ao mesmo tempo. Pode ser. Política para ela era um assunto enfadonho. O que realmente não faz diferença para garotas normais, mas em se tratando de uma rainha... Bem, Marie Antoinette talvez não tenha nascido para ser rainha, apenas para ser feliz.

        Mas o que eu gosto em todas as meninas más é que elas são surpreendentes. As reações das meninas boas são todas previsíveis. As meninas más, não. Elas agem por instinto, não conseguem contrariar o coração, por isso nunca agem conforme o esperado. E Marie Antoinette, após a queda da Bastilha, podendo fugir com a corte e abandonar o seu marido, resolve ficar, com seus filhos, ao lado do monarca, mostrando a todos que sim, é uma rainha. Meninas más não fogem, podem até se arrepender, mas nunca se escondem.

        Pois é, essa menina que só queria se divertir me dá arrepios de felicidade.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010