segunda-feira, 25 de abril de 2011

Bom mesmo é ser turista!


         Viajar é bom demais. Mas bom mesmo é ser turista. Porque a gente pode viajar sem ser turista. E a gente pode ser turista sem viajar.

         Ser turista é ser curioso, é querer conhecer. É não ter vergonha de ser ridículo, não ter vergonha de fazer as coisas errado. É se deleitar com cada coisa vivida imaginando que não irá vivê-la de novo. Embora saiba que poderá repetir tudo isso um dia.

        É se deleitar com a paisagem. É encontrar aquela doceria escondidinha numa esquina qualquer, e que faz o melhor brigadeiro que você já provou. É querer descobrir novos lugares, cantinhos que acreditamos nunca percorridos. É pegar uma fila imensa pra fazer aquele programa de índio no meio de famílias inteiras, só para depois poder dizer que é ridículo, mas tinha que fazer, afinal todo mundo faz um dia na vida. É fazer poses para fotos até no supermercado.

        Um turista tem uma ansiedade que chega a ser cômica. Normalmente, quando viajo, pergunto a algum morador o que há de interessante para conhecer. E o mais curioso é que normalmente a pessoa, já enfastiada pela rotina e pelo tédio em que transformamos o nosso viver, me olha espantada por um tempo, como se eu fosse uma louca desvairada. Como assim, fazer o quê nesse lugar? Você não percebe que isso é só isso?

        Pois é, ser turista é quebrar a rotina, fazer diferente, olhar diferente. O turista sabe que aquilo que ele está vivendo é passageiro, e que ele tem um certo tempo para desfrutar da novidade. Por isso é tão bom e intenso. Por isso não se perde detalhe algum, não se desperdiça o viver com a mesmice.

        Deveríamos ser turistas o tempo todo. Deveríamos saber que não temos todo o tempo do mundo, e que sempre existe algo a descobrir. E que sempre existem pessoas para conhecer do nosso lado, pessoas com histórias interessantes para nos contar, pessoas que, em alguma medida, vão mudar a nossa vida. Perdidos em nosso cotidiano, não vemos importância nas pessoas que passam por nós. Quando somos turistas, perdemos as travas, as defesas, deixamos que as pessoas novas fluam e inundem nossas vidas com suas experiências, vidas, idéias. Mesmo sabendo que talvez nunca mais as vejamos. E sempre mudamos um pouquinho, e sempre descobrimos um pedacinho de nós que não sabíamos que existia.

        Taí. Bom mesmo é ser turista de si mesmo. Descobrir habilidades desconhecidas, e falhas em si próprio ignoradas até então. Caminhar por cantos escuros e campos abertos. Sair um pouco de si, respirar, arejar e voltar. Enxergar-se com olhos novidadeiros. Rir dos lugares aos quais jamais deveria ter ido, embora todo mundo vá até eles um dia. E não esquecer que o tempo é finito, finito demais para que deixemos o tédio e a rotina nos invadir e nos paralisar.

domingo, 17 de abril de 2011

Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças

       
"Feliz é a inocente vestal! 
Esquecendo o mundo e sendo por ele esquecida.
Brilho eterno de uma mente sem lembranças
Toda prece é ouvida, toda graça se alcança"
Alexander Pope

           Minha avó tem Alzheimer. A doença está num estado mediano, e ela esquece praticamente tudo o que aconteceu alguns minutos antes. Esquece também alguns fatos passados, se confunde, congela a memória em determinadas situações como se o tempo tivesse parado. Minha mãe contou hoje que meu avô sofre muito com isso, ver uma mulher tão encrenqueira e turrona (sim, ela é minha avó, afinal de contas!), tão maluquinha. Disse que ele fica com lágrimas nos olhos às vezes.

        Ela não se lembra que seus sogros ou seu irmão morreu. Fala de seus filhos como se fossem crianças ainda, mistura o tempo, conta fatos passados há décadas como se fossem hoje. Normalmente se lembra de épocas em que ainda construía sua vida. É que velhice tem disso. Parece que não há mais nada para construir. E quando converso com ela, sinto que as recordações são todas desse tempo, de quando ainda havia muito o que construir.

        Todo mundo fica com pena dela. Mas eu acho que devíamos mesmo era ter inveja. Para ela, cada segundo é um recomeço. Uma desfeita, um desconforto sofrido instantes antes, simplesmente desaparecem. O que vale para ela é o momento que se inicia. O passado, pouco importa. Ela sempre olhará para você como se a conversa estivesse se iniciando naquele exato instante.

        Memória é uma coisa boa quando nos remete a momentos felizes. Saudade remete à memória, memória desses momentos bons. É doída, mas é uma dor que a gente até gosta de sentir. Dá uma sensação de que a vida vale a pena.

        Mas memória também é uma coisa ruim. Porque nela guardamos tudo aquilo que vivemos e não foi bom. Dizem que isso é instinto de preservação, porque assim evitamos cometer os mesmos erros. Mas não acho isso não. Acho mesmo é que a memória é que nos faz cometer os mesmos erros. Porque quando lembramos, revivemos, e ao  reviver, acabamos reagindo da mesma maneira, num instinto de auto-proteção. Nunca saímos desse círculo vicioso, revivemos e fugimos, não ousamos, não avançamos. Ficamos presos aos mesmos temores.

        Bom mesmo seria se pudéssemos apagar o que a gente quisesse, como no filme que dá o nome a esse post. Para começar como se nada tivesse existido antes, sem medo de cometer os mesmos erros. Para avançar, seguindo o coração, sem os machucados que a mente insiste em guardar. Porque a memória está na mente, e o sentimento está no coração. E a mente nos impede de sentir. Porque o que a gente sente não está na memória, está ali, guardado bem dentro da gente. Como no filme. E como a minha avó, que se esquece de vários rostos e nomes. Mas nunca se esquece nem do meu rosto nem do meu nome.

quarta-feira, 13 de abril de 2011

E para onde vou agora?


             Viver é escolher.
          Escolher é perder.        
          E dá medo escolher.

         Porque desde criança a gente aprendeu que não é bom perder. Mas se a gente não escolhe, não vive. Fica parado, amarrado. Então vai ver que perder não é tão ruim assim. Porque quando a gente perde alguma coisa, na verdade está ganhando outra. E já que tudo é assim na vida, então vamos escolher, porque daí a gente perde e ganha conscientemente, não?
 
          Eu pedalo e nado. Nado um pouco melhor do que pedalo. Mas não faço nenhuma das coisas direito como poderia. Porque eu não quis escolher.

         Mas será que não dá mesmo para ter várias coisas ao mesmo tempo? É só saber conciliar, dividir as atenções.

         Não, não dá. Quando você tem que conciliar interesses semelhantes ao mesmo tempo, dividir, você não se entrega. Simplesmente não tem tempo nem foco para se entregar. E quem não se entrega, não conhece nem vive as coisas a fundo. Não vive plenamente o que existe para ser vivido, até o seu esgotamento. É óbvio que viver plenamente dá medo, medo de não conseguir voltar se der errado. Na superfície, sempre é fácil voltar e pegar outro caminho. Ou ficar com vários caminhos à mão.

         Só que quem tem medo não se move. Fica ali, na superfície, ao sabor do caminho mais fácil, o tempo todo. Sempre no mesmo lugar, uma hora pra cá, uma hora pra lá. E deixa a vida passar, sem nada viver. Sem conhecer a profundidade de nada. Sem viver experiências verdadeiramente novas, vivendo apenas a repetição da mesma variedade, a variedade da superfície.

         E como saber o que escolher? Isso eu não sei. Ou melhor, isso eu sei. Mas não sei o porquê. A gente sempre sabe qual trajeto quer seguir. Só que tem medo. Então é só seguir, com coragem. Se der errado? Você volta, oras. Vai doer, mas você vai conseguir voltar. Só não consegue voltar quem nunca foi.

sábado, 9 de abril de 2011

Carta de amor da Menina Má


        Não vou dizer que sou difícil, isso é clichê. Todas as mulheres são difíceis. Algumas dissimulam mais, outras menos. Somos assim, inconstantes. Inconstantes porque esperamos algo que nunca vai acontecer. Esperamos que vocês homens entendam nossos sentimentos com um simples olhar. Que tenham a palavra exata no momento correto, e o silêncio naquela hora em que se deve calar. E ficamos insatisfeitas, e continuamos esperando que vocês compreendam o motivo de nossa insatisfação. Enfim, esse drama nunca vai ser solucionado, vocês nunca vão conseguir nos dar a atenção que gostaríamos de ter. 
     
         Mas também não sonho com um príncipe. Acho que não acredito neles, porque penso que em algum momento eles tiram a capa, e nessa hora em que cai a fantasia pouca coisa resta. Dá muito trabalho construir a imagem da perfeição.

        Aliás, não gosto de nada que é perfeito. Gosto do homem imperfeito. Aquele que derruba as coisas por onde anda, de tão estabanado. Que faz uma declaração de amor atrapalhada, morrendo de vergonha de ser ridículo, e depois solta uma frase tosca. Que nunca lembra dos compromissos, simplesmente porque a última ação parece mais importante do que aquilo que já estava premeditadamente marcado. Que compra presentes inúteis e horrorosos, achando que são exatamente o que uma mulher gosta. Que traz flores já amassadas porque não sabe como carregá-las. Que faz as combinações de roupas mais absurdas.  Que me faz ficar possessa quando me esquece por conta de um jogo, qualquer jogo. Que faz a piada errada naquela reunião social tão formal, e deixa todo mundo constrangido, simplesmente porque não consegue conter o sarcasmo. Faz tudo tão errado, simplesmente porque não consegue vestir fantasia alguma.

        Gosto por isso, porque é real. Porque me impressiona não pelos atos, mas pelas qualidades. Porque até se dá conta das qualidades, mas não sabe muito bem como externá-las. Porque suas qualidades não são óbvias, são reconhecidas apenas por olhos atentos, aqueles olhos que querem enxergar além da fantasia, que gostam de observar com calma. Porque como não perdem tempo com o que é externo, o interno é muito, muito rico.

        Menina má é assim. Não precisa ostentar uma jóia cara. Prefere uma pedra bruta e discreta, real, sempre ali, pertinho do coração. Mesmo que  às vezes ela machuque de tão bruta.

terça-feira, 5 de abril de 2011

A minha Menina Má

        
        Hoje a Lua, a gatinha de grandes olhos doces que aparece comigo na foto do perfil, faz 10 anos. O que quase ninguém sabe é que ela não está comigo na foto do perfil simplesmente porque é meu animalzinho de estimação. Está lá porque ela é uma menina verdadeiramente má.

        Tenho um outro gatinho, o Fidel, mais novo que ela, e de quem normalmente falo muito mais. Por esse motivo todos pensam que ele é o preferido, mas não é bem assim. O Fidel, como todo ser do sexo masculino, é mais simples, mais engraçado, mais fácil de lidar, e requisita muito mais. Ainda por cima tem uma doença genética que vez ou outra me prega alguns sustos. Ele vem e me agrada a todo instante, fica bravo comigo mas esquece depois de uma bela sessão de carinhos.

        A Luazinha não. Ela é uma menina independente. Há 10 anos atrás, foi descoberta numa gaiolinha nos fundos de uma lojinha horrorosa, toda doente e suja. Olhou para mim e me convenceu a levá-la para casa, imediatamente. Conquistou o Ricardo pulando em seu colo e enchendo de lambidinhas. Foi assim que lutou e conseguiu um lar.

        Todas as doenças que um gatinho filhote consegue ter, estavam instaladas na Lua. A veterinária quando a examinou simplesmente nos disse que havia poucas chances de salvação. Mal respirava. Ela ficava no meu colo me olhando, e lutando para colocar ar nos pulmõezinhos, as vias nasais completamente obstruídas. E como lutava bravamente para viver, essa gatinha tão pequena.

        E não é que sobreviveu, apesar de tudo? Só que, por conta disso, apesar de tão guerreira, cresceu tímida, desconfiada. Tinha medo das pessoas, de barulho, de sair de casa. Mas sempre foi muito ágil e habilidosa, curiosa como todo felino. E muito teimosa, é claro.

        Mas uma Menina Má nunca é a mesma, se modifica a cada instante. E hoje ela quase não tem medo. De vez em quando, vem e pede um carinho. Ou vem e dá um carinho. Quando se cansa, vai embora. Diferente do Fidel, não se importa nem um pouco em ficar sozinha, apesar de gostar da companhia de pessoas. Parece estar confortável em qualquer situação. Tem o olhar muito doce, seu miado é baixo. Mas quando fica brava modifica esse olhar  e demonstra a sua raiva e insatisfação de um jeito que chega a dar medo. E domina completamente o Fidel, que tem por ela um fascínio incondicional.  Aliás, por ter sido criada e muito amada pelo Ricardo, adora homens. Joga charme, mas nem sempre aceita o carinho de volta. A minha menina guerreira é realmente invejável.

        Olho agora para essa coisinha gordinha deitada aqui ao meu lado, ronronando, e penso em quantas coisas passamos juntas. O quanto nós duas mudamos nesses 10 anos. Ela é minha menininha má, e sabe disso. E não precisamos de grandes demonstrações públicas de carinho para sabermos o quanto estamos ligadas uma à outra. A gente sabe.