quinta-feira, 26 de maio de 2011

E vamos viajar!

           
             Estou de malas prontas de novo, vou viajar, uma das coisas que mais gosto de fazer. Engraçado que gosto muito mas também tem um lado meu que não gosta tanto assim. Viajar é bom, mas dá medo, dá saudade. Dá medo de enfrentar situações novas, totalmente diferentes do cotidiano. E dá saudade da nossa casa, da nossa família, dos nossos amigos, da nossa rotina…

            Mas não por acaso é exatamente esse o prazer de viajar. O prazer de enfrentar situações novas, conhecer lugares novos e pessoas novas. Sair da nossa zona de conforto, onde tudo já está estabelecido e onde reinamos absolutos. Presos no castelo que construímos para nós mesmos, sem nos dar conta dos erros e dos vícios que cultivamos, diuturnamente. Na injustiça que cometemos com quem amamos e com que nos ama. Perceber as inúmeras possibilidades que a vida nos oferece, de tanto que estamos acostumados com aquilo que criamos e acreditamos ser correto. Afinal, é tão fácil viver sabendo o que vai acontecer, é tão fácil sentir-se no controle de tudo e de todos.

            Essa sensação de controle é meramente ilusória. Na verdade, somos nós que, sem perceber, estamos sendo controlados pela rotina e pela acomodação. Repetimos, repetimos e repetimos, e nem percebemos o quanto deixamos de viver ao não olhar o mundo lá fora.

            E viajar não é só fazer as malas e mudar de lugar. Viajar é um estado de espírito. Tem gente que viaja mas não sai do lugar. Que viaja e continua presa ao próprio mundo, que por medo  não se solta, não se abre ao desconhecido. Vai, volta e continua o mesmo.

            Por esse mesmo motivo, também é possível viajar sem sair da nossa cidade, da nossa casa. É um pouco mais difícil, mas não é impossível. É só fazer algo diferente do que estamos acostumados. Ver um tipo de filme que nunca vimos, ir a um lugar que nunca fomos, comer algo que pensamos que não gostamos, conhecer pessoas sem preconceito, cultivar amigos novos sem descuidar dos antigos, abrir o coração para o que é novo, tentar experiências novas, não se viciar naquilo que parece confortável. Ouvir opiniões diferentes, questionar o que nos é dito, aprender a gostar do que nos parece estranho a princípio. E assim descobrimos que viver é sair um pouco de si mesmo, para depois voltar. Voltar com carinho, cheio de presentes novos, aqueles que o mundo e as pessoas podem nos oferecer e constroem dentro de nós um cantinho cada vez mais especial.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

A garota da capa vermelha


        Fui assistir ao filme "A garota da capa vermelha" decididamente contrariada. A sinopse dizia assim: versão Crepuscular da história de Chapeuzinho Vermelho. Nossa! Mais uma dessas baboseiras adolescentes em que a linda mocinha desprotegida, meiga, frágil, e completamente desinteressante é disputada por dois belos exemplares masculinos musculosos e intrépidos dispostos a tudo para conquistá-la e satisfazê-la. Essa idéia me incomoda muito, porque desperta nas garotas um sonho venenoso: o de ser protegida e amparada por um homem forte, que a defende de tudo e de todos. O que é apenas uma ilusão. Um homem que age dessa maneira apenas atende à própria vaidade. Ele não está preocupado com a mocinha, que pode ser qualquer uma, desde que desprotegida o suficiente. Ele está apenas preocupado em afirmar sua masculinidade perante os outros machos.  Um homem de verdade quer uma parceira que se defende sozinha e brilha ao seu lado, e não um bibelô. Um homem de verdade respeita e admira sua mulher. E respeito é tudo o que uma mulher de verdade espera de um homem. E admiração mútua é o combustível de um relacionamento de verdade.

        Enfim, meu feminismo à parte, diante da rinite atacada, da dor de estômago, do mau humor e do tédio que me assolavam, lá fui eu, pior não podia ficar. Fotografia medieval interessante, roteiro totalmente previsível. Duas crianças cheias de afinidade que crescem juntas e inevitavelmente se apaixonam, e está na cara que no final do filme vão ficar juntas. Mas não é que a mocinha me surpreende?

        Sim, ela é linda. Perfeita, ágil, inteligente. Parece que realmente foi dotada de todas as qualidades que uma mulher almeja. Faz parte de um conto de fadas. Mas o que me surpreende nela são pequenos detalhes que a distinguem das demais mocinhas. "Eu sempre tentei ser uma boa menina, mas...", diz ela em sua fala inicial. Ainda criança, ela se dispõe a matar um coelho com as próprias mãos, sob os olhos assustados do companheiro. Mata não por maldade, mas porque tem que ser feito e pronto. Essa sua característica é marcante. O que tem que ser feito será feito. Sem dramas, sem lágrimas, sem autopiedade. Acusada de bruxa, não hesita, admite tudo o que fez, aceita a pena porque tem que ser aceita.

        Sua determinação. Seu amor de criança é Peter, o lenhador pobre e tosco. Em nenhum momento ela hesita, a despeito do bom caratismo, da doçura e do amor de seu prometido, Henry. Não há dúvida, mesmo diante do mais fácil e confortável. Novamente, não há pena ou comiseração. Ela escolheu o seu caminho, pois reconhece em Peter qualidades que só a ela importam, e vai percorrê-lo.  E pronto. Não importa o que pensem ou digam.

        A autoestima é surpreendente. Provocada por Peter, que arruma outra garota para despertar seus ciúmes, ela revida, mas não caindo nos braços de outro homem. Sim, ela não precisa mostrar que é interessante só porque consegue despertar o interesse de outros homens. Tira uma amiga para dançar e o provoca, ela mesma, com toda a sua graça e sensualidade. Ela sabe que é interessante por si só, sem precisar de homem algum do seu lado. Quem precisa da procura para ser valorizada no mercado são as ações da Bolsa de Valores, não mulheres de verdade.

        Enfim, não vá ao cinema buscando uma verdadeira obra-prima. Mas é muito bacana o roteiro adolescente incutir de forma tão sutil valores tão saudáveis às meninas. Creio que Valérie nunca será tão popular como a chatinha e insossa Bella, de Crepúsculo. Bella está mais próxima do inconsciente frágil e acomodado que injetaram em cada uma de nós. Mas é uma sementinha. E afinal, ela conseguiu tirar meu mau humor e me fez sentir que sim, vale a pena ser forte. As coisas também funcionam para as não princesas, embora seu final não seja cor-de-rosa como o delas...

sábado, 14 de maio de 2011

I'm not Cathy


      Meu livro favorito, desde adolescente, é o Morro dos Ventos Uivantes. E Cathy, selvagem, inteligente, impetuosa, passional, destruidora, minha heroína através dos tempos. A paixão arrebatadora de Cathy e Heathcliff, que resiste a tudo, ao tempo, aos casamentos de ambos, aos filhos, à distância, sempre povoaram o meu imaginário tão aventureiro. Lindo demais um amor que resiste a tudo e a todos.

          Mas pensando bem, será que esse amor resiste a tudo porque é forte?

        Não, ele só resiste porque nunca se concretiza. Não é forte, é tão frágil que não tem coragem de acontecer, não tem coragem de enfrentar uma dura realidade que um amor de verdade exige. O amor romântico só é tão lindo porque é mantido sempre na linha da dúvida, o que exige demonstrações calorosas e jogos de sedução o tempo todo. O que realmente é lindo e delicioso no início, mas com o tempo transforma-se em mera obsessão. Deixa de ser saudável para tornar-se uma doença. Essa obsessão é destrutiva, e penso que é a causa de violências cometidas em nome do amor.

        Amor forte é o amor de verdade. Aquele que, passados os joguinhos da conquista, finalmente se concretiza. Transforma-se na certeza de ter finalmente encontrado aquele alguém especial. Alguém tão imperfeito como nós mesmos, e que nos complementa, nos torna melhores. O que significa caminhar juntos, traçar planos e projetos, olhar na mesma direção, lado a lado. Sem jogos de dominação, sem competição, sem vaidades. Conhecer e tolerar as diferenças, ter cumplicidade.  Ter consciência de que momentos de monotonia existirão, mas que vale a pena resistir e fazer valer a união. Sim, o amor forte é aquele que luta e impede o seu próprio fim, apesar do tempo, apesar das diferenças, apesar das crises, apesar do tédio. Um amor que resiste à convivência, porque o que se constrói a dois vale muito mais que qualquer outra breve emoção que se possa sentir.

        Cathy, minha heroína, na realidade era covarde. Nunca teve coragem de viver seu grande amor por Heathcliff. Não teve coragem de enfrentar os preconceitos, a pobreza. Preferiu viver sua vida burguesa, alimentando ao mesmo tempo a paixão de Heathcliff. Paixão obsessiva, que nunca conseguiu se concretizar, e destruiu não só a ambos, mas a todos ao seu redor. Cathy, no fundo, tinha medo de que esse amor talvez não fosse tão forte assim, a ponto de resistir à dura realidade. E preferiu deixá-lo dessa maneira, apenas no começo, com a intermitente ameaça de seu fim. Nunca terminaria, porque nunca começaria. Se encontrariam na morte, esta sim eterna e imutável.

        Continua sendo um lindo romance e uma linda história de paixão, que nos leva a emoções deliciosas de se sentir, com toda a habilidade de Emily Bronte, que tão jovem o escreveu. Uma linda história de paixão ( e não de amor), seguida pela obsessão, que a tudo destrói. Porque uma história de amor, de verdade, começa depois, quando o romance decreta "e foram felizes para sempre". Porque aí vão ser necessárias a força e a coragem para que a união sobreviva. E isso sim não é para qualquer amor.

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Ninguém quer ser sozinho

             
        De todos os medos do ser humano, é o medo de ficar sozinho aquele que mais molda as nossas vidas.

         Por medo de ficar sozinhos, namoramos, casamos, temos filhos. Queremos poder, queremos dinheiro. Fazemos ginástica, cirurgia plástica, cortamos o cabelo, usamos maquiagem e queremos estar na moda. Estudamos para ser interessantes. Por medo de ficar sozinhos, traímos, manipulamos, fingimos, mentimos.

         Mas sabe? Nada disso adianta. O namoro e o casamento podem acabar a qualquer momento, você pode até enviuvar. Os filhos vão embora viver suas próprias vidas, e assim deve ser. Ser bonito pode ser uma garantia de que as pessoas se aproximem por um tempo, mas não de que elas permanecerão conosco. Ter um bom papo, ser culto e inteligente apenas nos garante horas de conversa, mas não companhia para aqueles momentos de silêncio. E o poder e o dinheiro, esses são os piores de todos. Geram a ilusão de que nunca se está só, porque todos querem nos rodear. Mas é mera ilusão. Quanto a trair, manipular, mentir? Bem, o crime não compensa.


          Quem nunca está sozinho é quem é legal. E uma pessoa legal não é uma pessoa agradável o tempo todo, muito longe disso. Uma pessoa legal é uma pessoa honesta, que defende aquilo que acredita, mesmo que todos digam o contrário. Que não molda o comportamento pelas circunstâncias, e não diz apenas o que as pessoas querem ouvir, mas sim aquilo que sente. Que às vezes fica triste, e não tem vergonha disso. Que verdadeiramente gosta das pessoas que escolheu para viver ao seu redor. Que nunca nega ajuda a um outro ser humano, mesmo que ele não seja tão seu amigo assim. Que jamais vai faltar num momento de tristeza de um verdadeiro amigo, e menos ainda num de alegria. Que vai olhar para todas as outras pessoas sem preconceito de se aproximar, mesmo que elas pareçam muito estranhas num primeiro olhar. Uma pessoa legal é aquela que escancara para você todos os seus defeitos, fraquezas e fragilidades, mas mesmo assim você quer ficar perto dela. Porque uma pessoa legal não enxerga apenas o próprio umbigo.


        Aprendi isso em casa. Meu pai sempre agiu como entendeu ser correto, sempre foi sincero e honesto, mesmo que isso significasse ser ofendido e incompreendido muitas vezes. Nunca se deslumbrou com poder, nunca quis o poder, e nunca tratou alguém melhor por ter dinheiro ou ser poderoso. Sempre tratou a todos com o mesmo respeito. Me ensinou a não faltar em compromissos que me pareciam enfadonhos, como casamentos, aniversários ou formaturas, porque se fui convidada era importante a minha presença para a pessoa que convidou. Uma pessoa que aprendia coisas sozinho, pelo simples prazer de saber, sem nunca ostentar. Uma pessoa que me ensinou a sonhar , a querer conhecer o mundo, me ensinou a ver como são bonitas as tantas coisas que existem fora de nosso cotidiano.


          Tantas vezes não entendi porque ele agia assim, se isso significava não se dar tão bem na vida como as outras pessoas. Mas sei hoje que viver dessa maneira fez dele alguém que nunca vai ser sozinho. Impossível deixar alguém assim sozinho. Você sente vontade de ficar perto, mesmo quando ele age como um velho ranzinza, reclamão e cheio de manias. Porque é bom cuidar e ser cuidada por alguém que tem um coração tão grande assim.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Fundamentalmente


           "Fundamentalmente, nós inventamos tantos artifícios para ser felizes que ficamos infelizes por causa disso", foi mais ou menos essa a frase que a Camila me falou, não deve ser exatamente essa porque minha memória não é fotográfica, mas o sentido era esse.

            Mas, fundamentalmente, sabe o que eu acho? Que felicidade é um conceito inventado. Fundamentalmente, ela não existe. Acho que, no início, só existiam as sensações de prazer ou desprazer. Gosto do quentinho, gosto do macio, gosto do confortável. E não gosto do frio, não gosto do que dói. Então, nós humanos, com a nossa maravilhosa capacidade de raciocínio, resolvemos inventar um estado em que haveria somente aquilo que se gosta, o qual seria o tal do estado de felicidade. E passamos a buscar, desesperadamente, o tal estado de mais completo bem-estar, e criamos, construímos, e fizemos guerras, e matamos, e nos reproduzimos, e destruímos, e transformamos o mundo nisso que vemos agora. E também inventamos o amor, inventamos a paixão, inventamos a amizade, inventamos a família, inventamos uma porção de conceitos para explicar o que era necessário para ser feliz.

            Foram tantas coisas inventadas que realmente a tal da felicidade pareceu ficar cada vez mais longe. Mas como chegar a algo que nem sabemos exatamente o que é?

            Pois estou então partindo do pressuposto de que a felicidade não existe. O que existem são estados emocionais. E digo emocionais porque quem não se emociona não sente, vive numa linha reta de estabilidade (a Camila vai surtar agora) que se aproxima do nada. Estabilidade é conforto absoluto, e conforto absoluto é felicidade? Não, não pode ser, porque se você vive num conforto absoluto, não tem consciência de que o conforto é absoluto, e vai estar descontente. Só vai saber que estava no conforto absoluto quando conhecer o desconforto.

             Isso significa que uma hora nossa vida vai estar gostosa, outra hora vai parecer horrível. E para todo mundo é assim, imagino que até para a Gisele Bundchen, linda, alta, loira, rica, com marido  também lindo e rico (ai ai, será que peguei o exemplo errado?). O bom de estar vivo é isso, oscilar, errar, chorar até querer morrer, para depois acertar, pular de alegria, e depois errar e sofrer de novo, para então acertar… Viver é um ciclo, e são as maluquices do ser humano que nos diferem dos outros animais. Amar, odiar, criar, trabalhar, fracassar, levantar, fazer amigos, brigar, fazer as pazes, perdoar, ser perdoado… Tentar sair disso tudo é simplesmente renunciar à nossa natureza humana. E afinal, não seria essa nossa natureza oscilante que poderíamos chamar de… FELICIDADE?

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Minha amiga, a Saudade


"Morro de saudades. Que coisa maluca a distância, a memória. Como um filtro, um filtro seletivo, vão ficando apenas as coisas e as pessoas que realmente contam.." 
Caio Fernando Abreu            

           Distância faz nascer a saudade. E saudade dá amnésia. Uma amnésia seletiva. As lembranças ruins começam a se dissolver, até quase desaparecer. E ficam só as boas. Ou então os momentos ruins passam a nem parecer tão ruins assim. E aí a saudade parece que provoca dor.

            Os sentimentos ficam confusos quando estamos com saudade. Ou então na realidade eles são claros na saudade, e confusos na presença. Mas é só com saudade que percebemos quanta coisa fizemos e que não deveria ter sido feita. Quanto tempo foi desperdiçado.

             A saudade aparece na vida da gente de diversas formas. Tem a saudade de quem vai voltar, e como é bom sentir essa saudade. A saudade de quem se foi pra sempre, a ausência definitiva. E a saudade de quem não se foi mas também não está mais conosco. A ausência presente. A presença que está ali, mas de maneira diferente. E essa é a mais estranha das saudades.

            Não há o que fazer com a saudade, quando ela resolve surgir. Só sentir. Sentir até cansar. Até aquela hora em que nos acostumamos tanto com ela que ela deixa de ser um corpo estranho e passa a fazer parte de nós. E ela passa a ser nossa amiga. Como aquela pessoa que, no começo, não gostamos muito, achamos estranha e rude demais. Mas, com o tempo, percebemos que não é tão rude e estranha assim, na realidade é só um alguém assustado por se aproximar de uma pessoa que não a quer por perto. Que só nos machuca porque tentamos expulsá-la o tempo todo.

            Pois então é melhor aceitar a saudade, do jeito que ela vier. Ser boa com ela, para que ela não nos maltrate tanto assim. Um dia ela se torna nossa amiga. Vai sempre estar ali, ao nosso lado, uma confidente de momentos felizes. E vamos rir juntas, lembrando de tudo o que aconteceu e não volta mais. E ela vai nos ensinar a não cometer os mesmos erros. Vai nos mostrar o que não valeu a pena. Vai nos lembrar que na realidade tudo é muito mais simples do que parece. Vai nos explicar que está ali conosco porque ela só se aproxima das pessoas que têm coragem de sentir plenamente. Que ainda que ela se vista de negro hoje, todo luto é  temporário. Um dia ela torna a vestir branco, vermelho, azul, amarelo….

            Sim, melhor ficar amiga da saudade. Vou fazer isso. Espero que assim ela passe a me machucar menos.