segunda-feira, 27 de junho de 2011

Eu tenho medo sim


         Hoje eu senti medo. Fui andar de bicicleta e empaquei na brincadeira de descer em barrancos e escadas. Chegava na beirada, e não conseguia. Juro que não é frescura, é pânico mesmo. Medo de sei lá o que, só sei que chegava até a boca da descida e algum tipo de pensamento me impedia de descer. O pior é que as descidas eram pequenas, o risco de se machucar era mínimo, e mesmo assim… nada.
 
        O engraçado é que eu sempre me qualifico como intensa. Depois fiquei pensando, como uma pessoa tão medrosa pode ser intensa? A pessoa intensa se entrega totalmente às sensações, sem qualquer medo, sem qualquer racionalização. Simplesmente vive. Eu não. Quero sentir, paro e penso mas não consigo ir.

        O que é o medo? Medo é instinto de autopreservação, de não se arriscar naquilo que não se conhece, justamente para não se machucar. O medo paralisa. O medo nos torna agressivos, porque é sempre irritante você querer algo e não conseguir fazer. As pessoas reagem de maneira diferente ao medo. Algumas se acomodam à segurança e simplesmente menosprezam aquilo que não conseguem fazer, dizendo que é desnecessário, que são felizes com aquilo que já conhecem e pronto. Outras querem testar seus limites, o tempo todo, o que causa certa insatisfação, porque viver sendo desafiado realmente é um pouco cansativo.

        Para dizer a verdade, já nem sei mais em qual categoria me enquadro. Sei apenas que sou muito, mas muito medrosa, embora não aparente. Mesmo assim, gosto de ser confrontada com o medo. Ele me coloca diante de mim mesma. Parece que, quando sinto medo, surge outra de mim dizendo quem sou. Mostrando as minhas limitações, me despindo da minha arrogância. Veja só garota, você não é tão poderosa quanto pensa, olha só quanta coisa você não consegue fazer, você precisa da ajuda de outras pessoas.

        A sensação de vencer um medo também é única. Significa fazer algo que você não conseguia fazer, significa que mais uma possibilidade na sua vida foi aberta. Sim, porque ao nos aventurarmos por um caminho antes impossível para nós, o mundo fica um pouco maior. E você consegue enxergar outros caminhos para percorrer, caminhos que antes nem existiam no seu campo de visão, já que a partir do círculo em que estávamos não era possível vê-los.

        E quanto ao meu medo de hoje? Bem, desci alguns barrancos e uma escada simples, depois de várias tentativas. E estou contente, apesar de poder ter feito ainda mais. Mas posso dizer que a portinha que abri hoje, a duras penas, já me mostrou várias outras maneiras de enxergar o mundo. Ando devagar, mas ainda chego lá.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Cão que ladra não morde

       
       Todo ser humano é mau. É isso mesmo, não adianta fazer-se de desentendido e dizer que é bonzinho, porque nascemos maus. Basta observar uma criança. Quanto mais nova, mais maldosa ela consegue ser. Maltrata animais, quer tudo para si própria, nem se importa com o resto do mundo. E tanto é assim que chegamos a nos espantar quando uma criança nova comete um ato de bondade, como dividir um brinquedo ou uma gostosura qualquer. Vamos lá, se isso fosse natural, não ficaríamos tão espantados, não é mesmo?

        Crescemos e aprendemos que, se formos maus o tempo todo, ninguém vai gostar de nós. E como não queremos ficar sozinhos, vamos controlando nossa maldade até nos tornamos… civilizados!

        Bom, confesso que fracassei nesse estágio de evolução. Não consigo esconder minha maldade e vestir a fantasia da civilidade, o que me causa inúmeros problemas. E sabe qual o maior deles? Não saber economizar minhas doses de maldade para utilizar nas horas certas. Sim, é isso mesmo, como um filho pródigo, vou desperdiçando meu potencial em pequenas doses, a ponto de não encontrar a medida necessária quando preciso.

        De fato, minha revolta e indignação comigo própria e minha prodigalidade têm um motivo. Meu IPhone foi furtado na esteira de segurança do aeroporto de New Castle. Isso mesmo, naquela hora em que somos revistados e revirados por seguranças com ares de seriedade. E o que essa pessoa aqui com fama de má fez nessa hora? Gritou, esperneou, rodou a baiana e mostrou a que veio? Não, nada disso. Com uma civilidade inglesa e uma paciência nipônica, dispôs-se a conversar calmamente com a segurança, assistir ao vídeo inutilmente, esperar a polícia (não) chegar para fazer a ocorrência, até quase perder o vôo…. E embarcar no último segundo, sem o amado IPhone! IPhone 4, diga-se de passagem!

        Por que isso aconteceu? Não faço a mínima idéia. Não sou tímida, sou estouradinha e não teria problema algum em fazer um show. Mas essa hipótese nem passou pela minha cabeça, inclusive até agora não consigo me imaginar fazendo isso por conta de um objeto, mesmo sendo meu IPhone. E hoje mesmo sofri algumas agressões típicas da neurose urbana e de verdade só consegui enxergar o lado antropológico da coisa. Passei o dia pensando no motivo dessa calma toda e só consegui descobrir este: de tanto gastar minha malvadeza assim que ela surge não tenho energia para direcioná-la nos momentos certos. Sim, cão que ladra não morde. Perigo mesmo está em quem guarda direitinho um estoque imenso.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Eu tô voltando pra casa!


       Minha viagem está chegando ao fim. Já são quase vinte dias sem qualquer rotina, em um ritmo frenético. O curioso disso é que o que aconteceu há duas semanas parece já tão distante, tamanho o número de acontecimentos que se sucederam nestes dias todos.

       Daí me peguei pensando que a nossa vida só passa muito rápido quando não prestamos atenção nela. Quem viaja não quer perder detalhes, observa tudo e todos. A beleza de um edifício, de uma esquina, uma pedra especial, uma árvore curiosa, uma flor mais colorida, escutar com atenção um amigo conhecido ou uma pessoa que acabamos de conhecer, tentar se comunicar com o funcionário de um metrô, o garçom, o dono de um estabelecimento qualquer.... quantas vezes realmente nos interessamos pelo que está acontecendo à nossa volta, em nosso dia-a-dia? Quanto perdemos por não valorizarmos o que acontece à nossa volta, repetindo apenas aquilo a que estamos acostumados?

       Meu trecho Inglaterra/Escócia foi renovador. Começando pelo meu inglês, que acreditava ser bom, e descobri que é muito ruim diante do sotaque britânico. Passando pela mão inglesa, que quase deu pane no meu cérebro. As paisagens vitorianas e medievais, o modo polido e o sorriso atencioso dos ingleses e escoceses do interior. Pelos cuidados do Ale, que me recebeu em sua casa, e dos seus amigos Harsha e Sarah, pessoas tão doces e especiais, que me mostraram como é possível ter a sensação de família mesmo longe de casa.

     A França, bem... é a minha paixão. Franceses são sempre tão charmosos, em qualquer situação. Nunca subservientes, cada francês carrega a dignidade de liberdade, igualdade e fraternidade propagada pela Revolução Burguesa. Vi as meninas de um dos hotéis em que fiquei limparem as janelas com echarpe no pescoço e salto alto, maquiadas. Adoro esse brilho que nada nem ninguém apaga, essa independência que cada um deles carrega dentro de si. Franceses são como gatos, nunca serão dominados nem amestrados. Não cumprem ordens, fazem aquilo que deve ser feito e pronto.

     Estou ainda vivenciando Portugal. E procurando uma palavra para descrever este lugar. Mesma língua, país que deveria manter identidade conosco, já que é nossa mãe. Ou pai? Mas não consigo estabelecer a identidade entre nós, é tudo tão diferente, somos filhos rebeldes e desgarrados. Há lirismo e uma certa melancolia por todos os cantos, meu amigo Fábio diz que é culpa do fado. O fado é uma música que faz doer o coração. E acho que os portugueses são meio assim, vivem carregando uma certa tristeza e uma saudade que não tem motivo, ela só é inerente a todo ser humano, mas eles vivenciam tais sentimentos como algo muito natural.

     A vontade é de continuar, mas sinto já um certo cansaço. E saudade de quem ficou, principalmente. Meus olhos estão cheios de paisagens deslumbrantes, e meu coração de pequenas lições de vida dadas por cada um que cruzou o meu caminho. Só que para continuar a vivenciar essas sensações preciso da minha rotina. Um tempinho  para valorizar o que foi vivido. E aprender a colorir a minha vidinha, com tudo que eu estou trazendo na minha bagagem de volta.