quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

O amor da gente




        Existem teorias que funcionam muito bem para a amizade, para os negócios e para as relações familiares, mas que nunca funcionam no amor. O amor é um sentimento único. O que une as pessoas que se amam é algo mais que amizade, é algo mais que família. Família a gente não escolhe, a gente nasce nela e aprende que ama e pronto. Amigo a gente escolhe e ama, mas amigo a gente escolhe conforme o humor da gente. Tem amigo para dar risada, amigo para ter papo cabeça, amigo para ir ao cinema, amigo para sair para dançar, amigo para viajar, amigo para falar de música… Tem até amigo para chorar as mágoas e cuidar da gente.

        O amor da gente não. O amor da gente foi escolhido para todas as horas. Escolhido não, encontrado. Não significa que a gente tenha que ficar grudado no amor da gente. Mas significa que o amor da gente, se precisar, vai escutar aquele papo cabeça, mesmo achando sem sentido as coisas que você fala. E significa que nós até topamos ir assistir aquele show horroroso de uma banda que a gente odeia, se o amor da gente realmente ficar feliz com isso. Significa que, mesmo sem vontade de assistir TV, ficamos do lado do amor da gente, só para poder ficar perto e mostrar para ele que pode contar conosco, sim. Em todas as horas. As mais legais e as mais chatas. Naquelas horas em que você teria vergonha de chamar qualquer amigo. Naquelas horas em que você mostra que é muito mais que um amigo. Parece asfixiante? Pode ser, mas só se a pessoa não for o amor da gente.

        Por isso, não adianta pedir ao amor da gente que não abra mão de nada por você. Quem ama abre mão, sim. Porque a vida é feita de escolhas, e se você tiver que escolher entre ver o seu amor feliz ou satisfazer o próprio desejo, com certeza você vai escolher ver o seu amor feliz. Ah, porque não tem nada que faça a gente mais feliz do que ver o amor da gente feliz. Então, no fundo, você não está abrindo mão de nada. Quem consegue fazer o seu amor feliz nunca perde nada.

        Também não adianta dizer ao amor da gente que ele está invadindo nosso espaço. Porque se alguém estiver invadindo nosso espaço, então esse alguém não é o amor da gente. Porque com o amor da gente a gente quer compartilhar tudo. Ligar no meio da tarde para contar que o companheiro de trabalho fez uma piada idiota, até isso a gente quer compartilhar. É gostoso ter alguém para compartilhar todos os nossos passos. É gostoso ter alguém para quem a gente não tem vergonha de contar todos os nossos passos. É a delícia de se ter intimidade, de não ter medo de parecer ridículo. Então, o amor da gente não invade espaços. Simplesmente porque, para ele, todos os espaços estão abertos.

        Tem gente que tem tanto medo de se perder dentro do amor da gente que fica se protegendo e não passa da porta de entrada. Acredita que está amando, mas não consegue sair de dentro de si. Nem deixa o outro entrar.

         Dá medo sim viver no mundo do outro. E dá mais medo ainda deixar o outro viver em seu mundo. Pois sair de si mesmo para navegar em um mundo desconhecido, e permitir também que naveguem em seu mundo, é uma aventura desafiadora. Uma aventura que poucos têm coragem de enfrentar, um salto de pára-quedas, um mergulho no oceano, um downhill de mountain bike. Tão bom que, depois que a gente consegue, quer repetir mais e mais. É isso. O amor da gente é como uma aventura, daquelas de que não desistimos diante das dificuldades. Porque mesmo com as dificuldades, ele é uma delícia de se viver.


domingo, 11 de dezembro de 2011

E nunca houve uma mulher como Gilda!

        Morro de inveja de mulheres sedutoras. Nunca consegui ser uma, e não foi por falta de vontade. Quando eu era criança, gostava de imaginar que tipo de mulher eu me tornaria. Talvez por influência da TV e do cinema, sonhava em ser algo como a Gilda, de Rita Hayworth. Aquela mulher que já acorda com as ondas perfeitas no cabelo e tem os cílios postiços de nascença. Que se movimenta feito um cisne, linda e elegante, indiferente a tudo. Alguém consegue imaginar Gilda em um ângulo desfavorável? Ou no banheiro, como todas as simples mortais?

        Não, Gilda é sempre linda. Seus movimentos são perfeitos, seus olhares são arrebatadores, seu sorriso derrete qualquer machão. O curioso é que mesmo assim é infeliz.

        Na realidade, em nosso imaginário tanto faz se Gilda é ou não infeliz, e quais os seus motivos para isso. Motivos para infelicidade, todos nós temos, em maior ou menor propensão. E já que é assim, melhor pagar o preço dessa infelicidade, se o resultado é ser tão linda e ter o mundo aos seus pés.

        Fiquei então pensando o que faria algumas pessoas mais sedutoras que as outras. Seduzir tem toques de magia. O sedutor consegue criar uma atmosfera de fantasia, algo irreal. Ele seduz porque inebria. E quem inebria, faz com que o inebriado não aja mais por si só, mas apenas em busca da manutenção dessa fantasia.

        Pessoas excessivamente transparentes, tais como a desengonçada que vos escreve, jamais serão sedutoras. Não sabemos criar esse ambiente fantástico, o tal jogo do cobre e descobre, o mistério que cega e anestesia, o mecanismo de punição e recompensa. O sedutor nunca diz o que pensa, ele insinua, deixa a vítima em constante dúvida, controla sua mente nesse jogo de adivinhação eterna. O ser humano não consegue conviver com a dúvida. Quando instalamos a dúvida, prendemos, acorrentamos.

        Só que acorrentar não é o mesmo que ser amado. Talvez por isso Gilda seja infeliz. Talvez seja difícil conviver com o vazio dessa irrealidade que o sedutor cria ao redor de si mesmo. Talvez esse estado constante de dúvida atormente ainda mais o sedutor que o seduzido. Talvez porque os seduzidos, quando despertam, voltam-se violentamente contra o sedutor. E isso acontece tanto no amor, quanto nas amizades, quanto nos negócios.

        Vai ver então que é melhor apenas conquistar. Mostrando a alma, os defeitos, as qualidades. Conquistar, diferentemente de seduzir, é ganhar a confiança. É mostrar que você está ali, de coração aberto, na hora que o outro precisar. Conquistar não exige beleza, charme ou inteligência, exige apenas sinceridade. E quem é sincero pode não ser idolatrado, mas é sim, verdadeiramente, amado.

        É, fiz um discurso até bem bonito em minha defesa. E vamos lá, posso dizer que tenho sido razoavelmente amada durante toda a minha vida. Na realidade, normalmente ou me amam ou me odeiam, é esse o preço que se paga pela transparência. Mas é que tem dias que me bate uma vontade muito grande de ser Gilda…  Ah, pensando bem, talvez não. É mais gostoso (e fácil) ser real.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Xô, preguiça!




        Eu tenho preguiça. E muita. Aliás, todo mundo tem, não é mesmo? Duvido que mesmo Steve Jobs não tenha sentido preguiça durante a vida dele. Duvido que todos esses autores de livros motivacionais sigam o que pregam, sejam sempre proativos e nunca sintam preguiça.

        Uma delícia dormir e acordar na hora que der vontade. Passar o dia no sofá vendo televisão, de pijamas. Ler apenas revistas de fofocas, não colocar o cérebro pra pensar, só deixar o tempo correr. Ter alguém para cozinhar, lavar, arrumar a casa e os armários, cuidar dos meus gatos, enfim, não ter que fazer absolutamente nada. Aliás, nada não. Bom mesmo é ter tempo livre para se fazer o que quer.

        Mas quem disse que o preguiçoso tem tempo livre? Tem nada. Porque fazer nada toma tempo. E acontece que o preguiçoso é muito ocupado. E acontece também que o preguiçoso tem preguiça de fazer o que gosta. Pior, acontece que o preguiçoso tem preguiça de pensar no que gosta de fazer. Porque até fazer o que se gosta dá trabalho.

        É, daí o preguiçoso olha ao seu redor e pensa no tanto de coisa que deveria fazer. E dá mais preguiça ainda. E as coisas a fazer vão se acumulando, e tudo vai ficando cada vez pior. Bom, aí o preguiçoso entrega para Deus e fica na sua, já que tudo se torna impossível.

        Olho para meus gatos dormindo deliciosamente na minha frente e penso: ah, mas que preguiça gostosa… queria ter essa vida…

        Que nada. Quem disse que gatos são preguiçosos? Gatos passam do estado de sono para o estado de alerta em um milésimo de segundo. São extremamente organizados e não suportam bagunça nem sujeira. Cuidam muito bem do próprio asseio. São hábeis caçadores. Lição de vida: por isso desfrutam de um sono tão prazeroso.

        Então tá. Preguiça não é tão gostoso assim quanto parece. Preguiça dá agonia. Preguiça dá insônia. Preguiça dá irritação. Preguiça dá insatisfação.

        E como sair do estado de preguiça então? Ai, difícil de saber. Na verdade, é necessária uma força danada para vencer a preguiça. Porque ela é forte pacas. Mas só no início. Com o tempo, vamos negociando com ela até uma hora em que ela resolve esquecer da gente. Só não pode esquecer de negociar. Porque ela é tão esperta que a qualquer momento pode voltar e nos dominar. E aí, tome renegociações! E do zero…

        Este é um texto bem preguiçoso. Um texto de quem sequer arrumou a cama ao acordar e esqueceu de apertar o botão da máquina de lavar roupa. Mas pelo menos colocou o cérebro e as mãos para funcionar e resolveu fazer alguma coisa. Então, D. Preguiça, vamos negociar. Amanhã você vai me deixar em paz, ok?