terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Mudanças


    Minha gata Lua perdeu quase todos os dentes. Fato inesperado, não é ainda uma gata idosa. Todos os exames feitos, nada de errado. Uma gengivite, talvez, por razões desconhecidas. Mas perdeu todos os dentes e por isso sua vida mudou.

   Ficou bastante nervosa por um tempo. Queria comer o que sempre costumava comer e não conseguia, o estômago ficava irritado. Ficou triste, mal humorada, e passou a rejeitar as comidas pastosas de que tanto gostava antes. Queria apenas sua vidinha normal de antes, não estava esperando uma alteração tão drástica em sua rotina.

    Agora já está se adaptando e voltando a ser a gatinha independente e auto-suficiente que sempre foi. Mas me fez pensar como é difícil reagir a mudanças.

   Sempre achamos que a maneira como vivemos é a única possível. Vivemos dentro de um mundinho que escolhemos para nós mesmos, e dele não pretendemos sair, mesmo que pareça que algo não corre muito bem. Até vislumbramos algumas mudanças, algumas saidinhas de nossa redoma, mas voltamos para ela o mais rápido possível, crianças acuadas e amedrontadas. O mundo fora de nossa redoma parece bem assustador. Muito mais fácil pensar como sempre pensamos, viver como sempre vivemos. Sabemos o que dá certo, e também o que dá errado. 

    Mas acontece que de repente, na vida de alguns privilegiados, eis que um grande acidente acontece e destrói violentamente a redoma. E aí surge um ser desprotegido e totalmente perdido no meio do nada. Alguns nem percebem a chance que recebem, e se autodestroem. Outros, como a minha pequena e valente Luazinha, resolvem o mais rápido possível que é melhor sobreviver. 

    E aí se dão conta de que aquela rotina não era única. Que existem várias outras. E que existem outros mundinhos além do nosso. 

    Bom mesmo seria se a gente tivesse a habilidade de viver em vários mundos diferentes, sem se sentir deslocado. Que nada nos causasse estranheza, e que pudéssemos nos divertir em qualquer situação, com quaisquer tipos de pessoas, em qualquer lugar, em qualquer código social. Claro que teríamos sim o nosso mundo favorito, mas esse mundo seria uma soma do melhor que vimos em cada mundo pelo qual transitamos. Seria a soma de nossas escolhas, de nossos maiores prazeres. Construiríamos nosso mundo de acordo com o que queremos, e não de acordo com o que nos é ofertado.

    Quer saber? Isso não é tão difícil assim. Exige só um tantinho de coragem. Ou um tantão. Porque quem tem medo de mudanças, quem tem medo de sofrer e se prende a prazeres temporários, não vai a lugar algum. Como diz a empregada doméstica negra Constantine no filme Histórias Cruzadas, para a adolescente branca por ela criada, que se sente feia e deslocada em seu mundo: "você pode acordar todos os dias e escolher a vida que quer levar, ou então, deixar a vida escolher você". 

    A frase fez toda a diferença na vida da menina. Fez sair da redoma, procurar novos caminhos. Fez dela uma mulher livre. Pois então. A liberdade não é irresponsável. Não significa apenas fazer aquilo que dá vontade. A liberdade está na coragem de assumir e lutar pelas regras que queremos para nós. Ainda que todos digam que você está errado. Ainda que pareça que você está perdendo muitas coisas pelo caminho.