Paizinho
Vou passar o réveillon no sertão da Paraíba, acredita? Pedalando. Estou muito contente. Vai ser diferente de todos os outros anos novos que vivi. Precisava contar para você. Fiquei um pouco triste porque percebi que desta vez não vou poder te mostrar as fotos, nem vou poder te contar como foi, o que vivi de diferente. Você gostava tanto de saber. Aliás, foi você que me ensinou a ter tanta vontade de conhecer o mundo. Eu achava geografia muito chato. Então você me ensinou a viajar mundo afora através de mapas. Das notícias nos jornais. Eu adorava olhar mapas com você. E acabei gostando mais de estudar geografia também.
Você só não se interessava muito pelas minhas viagens para a Europa, lembra? Falava que não gostava de ver edifícios velhos. Gostava de ver coisas modernas. Na verdade você não gostava mesmo era de olhar para trás. Talvez pela infância tão pobre e tão difícil, a você só interessava o que estava por vir. Você adorava o que era bonito. Você sempre dizia que gostava mesmo era do agora, que nunca sentia saudades do que passou.
É, eu vou passar a primeira virada do ano sem você longe da mãe. Eu sei que você me pediu para que parássemos de brigar e ficássemos juntas, cuidando uma da outra. Mas eu não sou como você, pai. Eu sou egoísta. Não consigo cuidar dela como você fazia. Eu preciso ver o mundo. Eu preciso ficar um pouco longe dela para poder gostar. Eu cuido, paizinho, mas do meu jeito. Meu jeito meio distante. A gente vai se acertar, eu prometo. Mesmo sem você para apartar as nossas brigas.
Sabe o que é mais engraçado? É que só agora acho que percebi que você foi embora. Agora que não tenho mais para quem contar sobre a minha viagem nova. E que não vou mais procurar algum souvenir divertido para trazer para você. Você adorava meus presentes de turista, usava todos. Ficava engraçado com os bonés e camisetas que eu trazia. Usava todos, e dizia orgulhoso para todo mundo que eram presentes meus. Eu sei que você viajava mundo afora comigo, através deles.
Lembra aquele dia em que disse a você que era o melhor pai do mundo? Você disse obrigado. Obrigada digo eu, paizinho. Por ter me amado tanto. Por ter sido tão honesto sua vida inteira. Por ter me ensinado a nunca mentir. A nunca trapacear. A nunca furar filas. A nunca querer tirar vantagem dos outros. A falar a verdade sempre, e aguentar a consequência dos meus atos. A me preocupar com as outras pessoas, mesmo aquelas que eu nem conheço e talvez nem veja de novo. Por me ensinar que não importa o que os outros digam, faça sempre o que acha que é certo. E me ensinar a respeitar não só pessoas, mas também animais. Por me ensinar a ser feliz com aquilo que sou capaz de obter, pelo meu próprio esforço. Por me ensinar a lutar pelo que eu quero, sem depender de ninguém.
Nesse mesmo dia você me disse que sempre era alegre, que sempre gostou de tudo que a vida oferecia. Mas que não sabia porque estava triste. Eu abracei você bem forte e você disse que passou. E me agradeceu por estar ali, ao seu lado. Paizinho, você gostava tanto da vida. Dava tanto valor a cada coisa pequena. Eu queria poder ter te dado o mundo, sabia? Mas você me ensinou que o mundo era cada coisa pequena que eu te dava. Você nunca entendia porque as pessoas eram infelizes.
Paizinho, eu estou com saudade. Saudade de você reclamando do jeito como eu dirijo. Saudade das frutas gostosas que você me comprava. Saudade de ouvir as coisas bonitas que você me falava. Saudade de você reclamando da minha desorganização.
Mas é só saudade, paizinho. Saudade boa. Pois como foi bom viver com você. Eu sei que não consegui aprender tudo o que você queria me ensinar. Mas prometo que cada palavra sua, cada gesto seu, ecoam o tempo todo em meu coração. E prometo que, um dia, vou conseguir fazer tudo direitinho. Prometo.