Meu paizinho ficou velho. Pois é, aconteceu. Foi devagarinho, eu nem notei direito. As falhas no sistema foram ocorrendo de maneira tão sutil e gradual, que nem me dei conta do que estava acontecendo. Mas agora que percebi tomei um susto.
A primeira vez que me dei conta disso foi num restaurante. Fui pedir senha para aguardar uma mesa, e a mocinha me disse que daria prioridade porque eu estava com pessoas idosas. Parei e olhei para trás e vi meu pai e minha mãe. Como assim, pessoas idosas? Para os meus olhos ainda eram o meu alicerce, aquele que nunca se rompe, mas a outros olhos eram pessoas idosas. Mas sim, olhei para o meu pai e percebi que realmente alguma coisa era diferente do que sempre foi.
Os ouvidos começaram a escutar cada vez menos, e ele, que tinha reflexos tão rápidos, agora dirige devagar. Sabe aqueles velhinhos que atravancam a nossa passagem na rua? Pois é, meu pai, que sempre ultrapassou todos, implacável, agora dirige assim. Aquela curiosidade que sempre me inspirou a aprender, agora também obedece a um ritmo mais lento. O raciocínio demora um pouco, as respostas tardam a vir. As nossas conversas agora são pausadas, para que ele possa compreender e responder depois de pensar um pouco. O corpo que, embora pequeno, sempre foi tão forte e tão disposto, agora se cansa rápido. Sempre tão preocupado com o asseio e a aparência, agora escolhe qualquer roupa no armário para vestir.
São vários os médicos, vários os remédios, vários os exames, difícil de saber se isso faz bem ou mal. Mas olho para ele e sinto que tudo mudou, mesmo. Difícil de entender, mais difícil ainda de aceitar, embora seja o ciclo natural da vida.
Esse velhinho é o homem que me ensinou a sonhar correr o mundo, me mostrando lugares tão diferentes e tão distantes num mapa nas manhãs de domingo. Que me levava, com minha mãe, para passeios em parques nos finais de semana, para que a filhinha única introspectiva e desengonçada se movimentasse um pouco e aprendesse a brincar com outras crianças. Que voltava do trabalho, todos os dias, com um chocolate nos bolsos. Que me ensinou a andar de bicicleta. Que me acompanhou nos primeiros shows de música da minha vida. Que acordava na madrugada para ir me buscar nas minhas primeiras baladinhas adolescentes. Que sempre foi amado por todos os cães e gatos, da casa, da rua, de qualquer lugar. Que me ensinou a falar a verdade, sempre, mesmo que as conseqüências não fossem boas. Que me ensinou que de nada adianta se dar bem burlando regras e trapaceando. Que sempre me disse para honrar compromissos, mesmo que a vontade fosse de ficar em casa sem fazer nada. Que sempre deixou bem claro que, dentre todas as crianças, eu era a mais importante da vida dele. Que sempre me protegeu, embora nem sempre me defendesse. Que nunca soube abraçar, nem beijar, nem dizer palavras bonitas, mas me ensinou que amor é mais que isso, é cuidado, é presença, é o poder contar, sempre.
Eu não sei o que fazer. Tenho medo de não saber cuidar dele como ele cuidou de mim. Mas tenho mais medo ainda de que ele perceba que eu estou com tanto medo assim.