sexta-feira, 11 de maio de 2012

Ensina-me a viver



   Sou uma devoradora de livros, desde criança. Devoradora de histórias, veja bem, porque tudo o que é real demais me cansa. Até hoje não consigo me concentrar em leituras técnicas ou descritivas, o interesse fica próximo de zero.

   Gosto mesmo é de gente. Gosto de saber histórias sobre outras pessoas. Gosto de saber como elas pensam, como elas reagem às diversas situações. Gosto de viver outras vidas.

   Porque ler romances tem disso, essa coisa de viver outras vidas. Quer coisa mais fascinante do que ver um personagem numa situação parecida com a sua, e assistir como ele pensa e reage? E ver a si próprio naquela pessoa, cometendo os mesmos erros? Ou encontrando as soluções possíveis? Ou entendendo o porquê de suas reações?

   Alguns personagens são marcantes em minha vida. Todas mulheres fortes e determinadas, claro, cada uma fascinante a seu modo. Cathy, do Morro dos Ventos Uivantes, com sua passionalidade selvagem. Kate, de A leste do Éden, com uma maldade sem igual, acho que nunca houve alguém tão perturbado como ela. Katia, dos Irmãos Karamazov, aparentemente tão passiva mas tão decisiva no rumo da história. Emma, de Um dia, às vezes é tão assustadoramente eu que já até tive medo de ter o seu mesmo fim trágico.

  Tem também os personagens escritores e os cronistas. Clarice Lispector e Danuza Leão que quase me ensinaram a ter pose de fina. Martha Medeiros que parece minha amiga confidente. Lendo Fabrício Carpinejar me sinto menos ridícula e exagerada. Eduardo Galeano tem sonhos de um mundo melhor que fazem meu coração bater mais forte. Anais Nin me irrita mas se parece tanto comigo, às vezes…

   Um livro com uma história ou um causo bem escrito transforma a vida da gente muito mais que um livro de auto-ajuda. Porque auto-ajuda é como conselho de pai e mãe: a gente sabe que tem que fazer daquele jeito, como é o certo, mas a gente escuta e esquece. Porque conselho não foi feito para ser seguido, a gente sempre faz mesmo é aquilo que temos vontade. E não adianta ficar se informando, esquematizando a fórmula ideal daquilo que parece ser correto, lá no fundo mesmo a gente sempre vai querer algo que não tem nada a ver com o correto. E um dia a gente explode, faz tudo errado, e dane-se a auto-ajuda. 

   Já aprender com histórias é outra coisa. Você se vê na situação, parece que vive aquilo. E tem a chance de ver o resultado de suas ações, de fora. E aí entende o que está acontecendo, ou o que não está acontecendo. E vai aprendendo aos poucos a viver. Ou aprendendo a entender a vida. Afinal, só se aprende viver vivendo, e ler histórias é uma chance de testar várias vidas, sem ter que alterar nada na sua própria.

   Engraçado é ser uma leitora tão contumaz e continuar fazendo burradas vida afora. Engraçado nada, trágico. Ou não. Devoradores de livros e seres imaginativos como eu são aqueles que aparentemente cometem mais erros. Mas é que só erra quem vive. E quem lê e imagina muito vive demais, vive tudo intensamente, até o último suspiro. E bate, e volta, e tenta, e erra, e até acerta às vezes, mas não cansa, vai de novo, para sentir, sentir tudo o que se conseguir, e procurar mais respostas, incessantemente. Não consegue jogar nenhum pedacinho de vida por baixo do tapete.

   Quer saber? Eu quero mesmo é viver, viver para conhecer histórias, para contar histórias. Porque quem diz que essa vida é uma só e tem que ser vivida de uma maneira tranqüila e exata são os livros de auto-ajuda. Ah, e o pai e a mãe da gente.

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