domingo, 17 de abril de 2011

Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças

       
"Feliz é a inocente vestal! 
Esquecendo o mundo e sendo por ele esquecida.
Brilho eterno de uma mente sem lembranças
Toda prece é ouvida, toda graça se alcança"
Alexander Pope

           Minha avó tem Alzheimer. A doença está num estado mediano, e ela esquece praticamente tudo o que aconteceu alguns minutos antes. Esquece também alguns fatos passados, se confunde, congela a memória em determinadas situações como se o tempo tivesse parado. Minha mãe contou hoje que meu avô sofre muito com isso, ver uma mulher tão encrenqueira e turrona (sim, ela é minha avó, afinal de contas!), tão maluquinha. Disse que ele fica com lágrimas nos olhos às vezes.

        Ela não se lembra que seus sogros ou seu irmão morreu. Fala de seus filhos como se fossem crianças ainda, mistura o tempo, conta fatos passados há décadas como se fossem hoje. Normalmente se lembra de épocas em que ainda construía sua vida. É que velhice tem disso. Parece que não há mais nada para construir. E quando converso com ela, sinto que as recordações são todas desse tempo, de quando ainda havia muito o que construir.

        Todo mundo fica com pena dela. Mas eu acho que devíamos mesmo era ter inveja. Para ela, cada segundo é um recomeço. Uma desfeita, um desconforto sofrido instantes antes, simplesmente desaparecem. O que vale para ela é o momento que se inicia. O passado, pouco importa. Ela sempre olhará para você como se a conversa estivesse se iniciando naquele exato instante.

        Memória é uma coisa boa quando nos remete a momentos felizes. Saudade remete à memória, memória desses momentos bons. É doída, mas é uma dor que a gente até gosta de sentir. Dá uma sensação de que a vida vale a pena.

        Mas memória também é uma coisa ruim. Porque nela guardamos tudo aquilo que vivemos e não foi bom. Dizem que isso é instinto de preservação, porque assim evitamos cometer os mesmos erros. Mas não acho isso não. Acho mesmo é que a memória é que nos faz cometer os mesmos erros. Porque quando lembramos, revivemos, e ao  reviver, acabamos reagindo da mesma maneira, num instinto de auto-proteção. Nunca saímos desse círculo vicioso, revivemos e fugimos, não ousamos, não avançamos. Ficamos presos aos mesmos temores.

        Bom mesmo seria se pudéssemos apagar o que a gente quisesse, como no filme que dá o nome a esse post. Para começar como se nada tivesse existido antes, sem medo de cometer os mesmos erros. Para avançar, seguindo o coração, sem os machucados que a mente insiste em guardar. Porque a memória está na mente, e o sentimento está no coração. E a mente nos impede de sentir. Porque o que a gente sente não está na memória, está ali, guardado bem dentro da gente. Como no filme. E como a minha avó, que se esquece de vários rostos e nomes. Mas nunca se esquece nem do meu rosto nem do meu nome.

2 comentários:

  1. Tão bom seria a memória seletiva,
    Um dia, um raio de sol,
    Noutro um almoço, um sorriso,
    Sem mágoas, premeditadas,
    Apenas a alegria,
    De um momento, após o primeiro

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  2. Memória seletiva, que maravilha!!
    Difícil, mas possível, só depende de vc!! ;)
    Lindo post, Cris!!
    Beijos

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