quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Como nasceu a Menina Má

        
       Sinto muita necessidade de dizer isso, por questão de justiça: Mozi criou a menina má. Antes, o que existia era apenas uma menina mimada. Ele chegou devagarzinho, mostrando as afinidades. Chico Buarque, mal sabe você que foi o alcoviteiro, com seus romances, seus amores, suas mulheres agoniadas. Depois, mostrou todo o seu cavalheirismo e gentileza sem fim. Me conquistou assim. Era um príncipe realmente, o sonho de qualquer menina mimada.

        Os primeiros meses foram de sonho, cercada de seus cuidados infindáveis. Defendendo meu gênio ruim contra todos. Me protegendo do mundo e de mim mesma.

        Mas, de repente, o príncipe cansou de seu papel. Cansou de cuidar da menina cada vez mais insuportavelmente mimada. E resolveu ser ele mesmo.

         Foi um choque. Não dava pra entender o que estava acontecendo. Não adiantava mais fazer drama, chorar, espernear, fazer biquinho. Nada mais comovia. E eu dramatizava: "você não me ama mais", buá. Até o fatídico dia numa trilha na Ilha Grande que mudou a minha vida, para sempre. Estávamos andando há um tempão, erramos o caminho, a trilha cada vez mais horrorosa. Empaquei. Falei que não ia mais, fiz bico, reclamei, surtei de ciúme por causa da namorada do amigo, que eu achava que estava recebendo mais consideração que eu. E o insensível simplesmente respondeu: "Então fica aí. Você é fraca." Ahn?????

          Pronto. Nascia a menina má. Fraca, eu? Incapaz, eu? Fiquei vermelha de raiva e disparei no meio do mato. Nunca mais permiti que o medo me impedisse de fazer alguma coisa. Sou descoordenada, desequilibrada, minha consciência corporal é um lixo. Mas ninguém percebe isso, tamanha é minha vontade de vencer essas deficiências. E  o medo, como aprendi a gostar de desafiar meu medo.

          Levei isso para todos os aspectos da minha vida. Nunca mais o medo me paralisou nem me venceu. E o nosso relacionamento mudou a partir desse dia. Passou a ser uma parceria, e não mais uma relação de proteção. As discussões começaram a surgir, os conflitos eram aterrorizantes, dois titãs disputando espaços. E sofremos muito juntos, e crescemos juntos, e fomos muito felizes juntos. Mas uma hora parecia que não havia mais pra onde ir. E tivemos que procurar caminhos diferentes. E eu apresentei a ele a menina mimada de novo, chorei, fiquei com medo. Mas ele me disse: "eu vou embora e fico tranqüilo, porque sei que você não precisa de mim". Mas eu precisei, precisei muito. Mas ele acreditou que eu não precisava, e não voltou. E eu venci mais esse medo. De ficar sozinha.

          Não caminhamos mais juntos. Mas sabemos que um construiu o outro. Viajamos juntos outro dia, e ele nem sabe, mas percebi que ninguém nesse mundo sabe como ele a medida exata de quando cuidar de mim e quando deixar me virar. Quando aceitar e quando reprovar. Quando falar e quando calar. Como fazer com que eu me sinta a menina mais esperta do mundo.

          Tentamos caminhar juntos de novo, mas não conseguimos. Não há mais o que construir. Somos dois titãs e cumprimos nossa parte um com o outro. Agora é hora de outras descobertas. Coragem. Mas é sempre em você que eu penso quando sinto medo, Mozi…

2 comentários:

  1. Amei o texto.
    Muito bom e muito verdadeiro.
    Nem preciso dizer com qual parte mais me identifico nessa história viu, rsrsrsrs.
    Acho que estou precisando de um Mozi, rsrsrsrsrs.
    Mas não sei se quero, hahahaha.
    Beijinhos

    ResponderExcluir