quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

A vida é bela?

        
        Bem, o filme é antigo. Mas desde que assisti "A vida é bela", de Roberto Benigni (que, diga-se de passagem, não gostei), sempre me ficou a dúvida. Até que ponto podemos mentir por amor?

        No filme, temos um pai que distorce a realidade para que o filho não sofra. Não chegam a ser mentiras, mas distorções de realidade. Do seu esforço, resulta que o garoto passa por todo o horror do holocausto sem se dar conta do que ocorreu. Não sofreu, não ficou traumatizado.

        Acho que esse é o sonho de todos os pais, de todos aqueles que amam. Evitar que pessoas queridas sofram, proteger de todos os males. Mas nesse ponto, me pergunto: o que aconteceu com esse garoto, ao crescer e tomar consciência de tudo o que ocorreu?

        Pessoalmente, acredito que temos que lidar dia após dia com as agruras de nosso cotidiano. Ao nos depararmos com um obstáculo, não devemos fingir que ele não existe. Devemos aprender a contorná-lo ou, se assim não for possível, enfrentá-lo ou mesmo derrubá-lo. Dificuldades e fatos que não nos agradam sempre existirão. Ao lidar com eles, aos poucos, crescemos. Metabolizamos. Ou enveredamos por outro caminho, se assim entendermos mais confortável para nós. Temos a chance de escolher.

        Por isso, acho que mentiras ou ilusões, ainda que bem intencionadas, causam danos gravíssimos.  A possibilidade da verdade nua e crua vir à tona sempre é muito grande. E nesse momento, a pessoa protegida, que nunca foi preparada para enfrentar a realidade como se configura, e nem teve a oportunidade de escolher se queria viver em tal realidade, já que a desconhecia, é obrigada a lidar com os fatos, em sua totalidade. De uma só vez, sem qualquer preparo.

        Imagino então o garoto do filme de Benigni, que sequer teve a chance de dizer adeus a seu pai. Que acreditava estar vivendo em um acampamento de férias, em uma gincana. E descobre que o adeus de seu pai foi rumo a uma morte brutal e sem qualquer sentido. Descobre que todas as pessoas ao seu redor fingiram, o tempo todo, para que ele não sofresse. E que ele nunca pôde fazer nada por elas, nem retribuir todo o carinho recebido e demonstrar sua gratidão. Imagino a sua sensação de impotência, e o medo que deve ter passado depois, no decorrer da vida, questionando o tempo todo se sua realidade é mesmo aquela que ele vê, ou se as pessoas estão mascarando-a, o tempo todo.

        É, a vida nem sempre é bela. Mas temos que aprender, desde cedo, a ter consciência disso. Porque, aos poucos, conseguimos fazer aquilo que não é tão belo, bonito. Corrigimos, enfeitamos, retiramos, adaptamos. Controlamos o que queremos ou não que exista. Mas é muito mais penoso transformar uma obra pronta, acabada, defeituosa, em algo bonito. Mais penoso e muito mais dolorido.

3 comentários:

  1. Acho que em um primeiro momento, aquela criança ficaria revoltada, por terem tentado esconder a verdade, mas muitos anos depois, com uma família e filhos, ficaria agradecida, por terem tentado preservá-la, mesmo a este custo altíssimo ... Bom, pelo menos, imagino que seria assim... Antes isso que a raiva e os desejos de vingança, que nunca seriam satisfeitos...

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  2. A criança cresceu e foi parar noutro filme: "O Show de Truman". Este tema da verdade vs mentira ou da medida da verdade e da mentira é algo que tem me ocupado bastante nos últimos tempos. Antes achava Papai Noel nocivo, agora creio que é importante poder fantasiar; sempre. A própria memória é apenas uma menção da verdade, mera tentativa dela. Não tenho mais respostas sobre limites e conseqüências das mentiras sinceras. Gostei muito deste post. A mim foi o que mais disse.

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  3. Amo tanto algumas pessoas que sinto necessidade de protegê-las da dura realidade, e prefiro fornecer uma versão mais amena dos fatos, uma versão que para mim seria a ideal, o que eu realmente gostaria que tivesse acontecido.
    Para quem não gosto, não me importo de bombardeá-la com a verdade, aliás nesse caso a verdade funciona como um ataque.
    As situações ensinam que não podemos proteger as pessoas da verdade para sempre porque a ilusão é muito frágil.

    Amei o comentário do James.
    "A própria memória é apenas uma menção da verdade, mera tentativa dela."

    PS: Cris, eu te irrito mas eu te inspiro, né? Texto muito muito bom! Ainda que poderia explorar mais os motivos que levaram o pai a fazer o que fez. Amo você!

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