segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Pilar Del Río: Ver, ouvir e... FALAR!


        
        "- Pilar, acabei de dizer uma coisa linda, o que você acha? Eu tenho idéias para romances, e você tem idéias para a vida.
         - Ah, que lindo.
         - O que você acha que é mais importante?
         - A vida, é claro."


          Acabei de assistir ao documentário "José e Pilar". Relatando a criação do romance "A viagem do elefante", mostra, na realidade, a mais linda história de amor de todos os tempos. E eis aqui o que faz a diferença nessa história de amor: Pilar NÃO é a musa inspiradora de Saramago. Não, ela não o inspira. Toda inspiração de Saramago está dentro dele mesmo, ele não precisa de ninguém mais. Além disso, reservar a uma mulher como essa o papel de musa seria atribuir-lhe uma função estática. E estática é tudo o que Pilar não é. Pilar é a força motriz do gênio. Ela move, impulsiona. É focada, prática, racional, irascível. Luta com todas suas forças pelo que entende ser correto, sem se importar se agrada ou não. Luta pelo que acredita ser íntegro e justo. É esse o fascínio desse casal. Seus talentos são próprios, e nenhum deles precisaria do brilho do outro para existir. Mas optaram por seguir juntos, e o mundo agradece essa escolha.


           Pilar controla o tempo de Saramago, para que ele não disperse. Controla suas entrevistas, o que pode ser dito, o que não deve ser dito. Seus atos, seu comportamento diante do público. Suas viagens, conferências. Seleciona sua correspondência. Chega a querer ir embora quando ele arrisca a própria vida numa empreitada (a subida da Montanha Branca, aos 70 anos, o Everest de Saramago) que ela entende ser totalmente desnecessária. Para ele, um desafio. Para ela, um absurdo que ele possa eventualmente privar o mundo de seus escritos (caso um acidente tivesse ocorrido) por um desafio que em nada resulta de concreto. Sugere que vá bordar, oras. É tão desafiador quanto e pelo menos o resultado fica, diz. É brilhante, inteligente, e sabe disso. Sabe que seus pontos de vista são diferentes dos de seu marido, e não se intimida em defendê-los até as últimas conseqüências. Mas é lindo ver seus olhos brilharem ao escutar cada palavra proferida pelo amado. Toma por obra de vida fazer a genialidade e o lirismo dele públicos. Não se importa que ele brilhe, não se sente ofuscada, tem consciência de sua própria inteligência. É o brilho dele que a motiva a viver e realizar cada vez mais.

          Saramago, por outro lado, reconhece mais que ninguém a genialidade de sua esposa. Admira nela tudo o que nele não existe. Ela é incansável e o defende como uma leoa. E ele se rende, sem qualquer constrangimento, às rédeas seguras dela. Se entrega completamente a essa mulher, sem qualquer pudor. Ri de seu temperamento explosivo, provoca, instiga. E seus olhos também brilham de admiração por ela. Diz em determinado momento que, aos 84 anos, queria apenas ter duas coisas: tempo, para poder continuar trabalhando em seus escritos, e vida, para continuar vivendo ao lado de sua mulher.

           A história me impressionou,  e muito. Difícil traduzir em palavras os olhares, carinhos e gestos trocados pelo casal. As chacotas e as implicâncias mútuas. Saramago com sua fina ironia e delicioso mau humor é simplesmente apaixonante. Encantador pensar ainda que estamos diante de uma história real, e não uma ficção. Mas realmente é Pilar quem não me sai da cabeça. Imagino o amor que fez com que essa jornalista tão brilhante não se importasse em fazer do marido a sua obra de vida. Não digo que ela tenha se anulado. Um homem como Saramago jamais seria tão apaixonado por alguém que vivesse à sua sombra. Digo apenas que para ela seu trabalho foi concretizar os sonhos do gênio, tão dispersivo e sonhador, ainda que muitos imaginassem que ela era apenas a esposa. Sem a necessidade de demarcar o próprio espaço. O que é possível apenas em um amor em que a vaidade não tem lugar, mas sim o respeito e a admiração. Não há o que provar, há o que  construir. Juntos e generosamente.
   
   

5 comentários:

  1. Oi Cris!
    Sensacional o seu texto, já queria ver o documentário, agora então... :)
    O bom de ter lido o seu post antes de assistir, é que agora vou vê-lo com outros olhos.
    Beijo meu,
    Hirota

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  2. Que bom, Hiro!
    O documentário vale muito a pena ser visto sim, é impressionante.

    Segue aqui um outro ponto de vista sobre ele, de um amigo meu.

    http://james-siqueira.blogspot.com/2010/11/jose-e-pilar-um-bom-argumento.html

    beijos!

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  3. Cristiane, olá!

    gracias pela visita e pelo comentário no Medeia. muito bom esse texto sobre o filme. bem escrito, e uma visão interessante - a musa, estática, e tal. Eu amei o filme, mas achei Pilar meio assustadora, rs.

    bom, hasta pronto.

    beijo!

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  4. é um grande exemplo de como o sentimento amor funciona...

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