quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

O amor da gente




        Existem teorias que funcionam muito bem para a amizade, para os negócios e para as relações familiares, mas que nunca funcionam no amor. O amor é um sentimento único. O que une as pessoas que se amam é algo mais que amizade, é algo mais que família. Família a gente não escolhe, a gente nasce nela e aprende que ama e pronto. Amigo a gente escolhe e ama, mas amigo a gente escolhe conforme o humor da gente. Tem amigo para dar risada, amigo para ter papo cabeça, amigo para ir ao cinema, amigo para sair para dançar, amigo para viajar, amigo para falar de música… Tem até amigo para chorar as mágoas e cuidar da gente.

        O amor da gente não. O amor da gente foi escolhido para todas as horas. Escolhido não, encontrado. Não significa que a gente tenha que ficar grudado no amor da gente. Mas significa que o amor da gente, se precisar, vai escutar aquele papo cabeça, mesmo achando sem sentido as coisas que você fala. E significa que nós até topamos ir assistir aquele show horroroso de uma banda que a gente odeia, se o amor da gente realmente ficar feliz com isso. Significa que, mesmo sem vontade de assistir TV, ficamos do lado do amor da gente, só para poder ficar perto e mostrar para ele que pode contar conosco, sim. Em todas as horas. As mais legais e as mais chatas. Naquelas horas em que você teria vergonha de chamar qualquer amigo. Naquelas horas em que você mostra que é muito mais que um amigo. Parece asfixiante? Pode ser, mas só se a pessoa não for o amor da gente.

        Por isso, não adianta pedir ao amor da gente que não abra mão de nada por você. Quem ama abre mão, sim. Porque a vida é feita de escolhas, e se você tiver que escolher entre ver o seu amor feliz ou satisfazer o próprio desejo, com certeza você vai escolher ver o seu amor feliz. Ah, porque não tem nada que faça a gente mais feliz do que ver o amor da gente feliz. Então, no fundo, você não está abrindo mão de nada. Quem consegue fazer o seu amor feliz nunca perde nada.

        Também não adianta dizer ao amor da gente que ele está invadindo nosso espaço. Porque se alguém estiver invadindo nosso espaço, então esse alguém não é o amor da gente. Porque com o amor da gente a gente quer compartilhar tudo. Ligar no meio da tarde para contar que o companheiro de trabalho fez uma piada idiota, até isso a gente quer compartilhar. É gostoso ter alguém para compartilhar todos os nossos passos. É gostoso ter alguém para quem a gente não tem vergonha de contar todos os nossos passos. É a delícia de se ter intimidade, de não ter medo de parecer ridículo. Então, o amor da gente não invade espaços. Simplesmente porque, para ele, todos os espaços estão abertos.

        Tem gente que tem tanto medo de se perder dentro do amor da gente que fica se protegendo e não passa da porta de entrada. Acredita que está amando, mas não consegue sair de dentro de si. Nem deixa o outro entrar.

         Dá medo sim viver no mundo do outro. E dá mais medo ainda deixar o outro viver em seu mundo. Pois sair de si mesmo para navegar em um mundo desconhecido, e permitir também que naveguem em seu mundo, é uma aventura desafiadora. Uma aventura que poucos têm coragem de enfrentar, um salto de pára-quedas, um mergulho no oceano, um downhill de mountain bike. Tão bom que, depois que a gente consegue, quer repetir mais e mais. É isso. O amor da gente é como uma aventura, daquelas de que não desistimos diante das dificuldades. Porque mesmo com as dificuldades, ele é uma delícia de se viver.


domingo, 11 de dezembro de 2011

E nunca houve uma mulher como Gilda!

        Morro de inveja de mulheres sedutoras. Nunca consegui ser uma, e não foi por falta de vontade. Quando eu era criança, gostava de imaginar que tipo de mulher eu me tornaria. Talvez por influência da TV e do cinema, sonhava em ser algo como a Gilda, de Rita Hayworth. Aquela mulher que já acorda com as ondas perfeitas no cabelo e tem os cílios postiços de nascença. Que se movimenta feito um cisne, linda e elegante, indiferente a tudo. Alguém consegue imaginar Gilda em um ângulo desfavorável? Ou no banheiro, como todas as simples mortais?

        Não, Gilda é sempre linda. Seus movimentos são perfeitos, seus olhares são arrebatadores, seu sorriso derrete qualquer machão. O curioso é que mesmo assim é infeliz.

        Na realidade, em nosso imaginário tanto faz se Gilda é ou não infeliz, e quais os seus motivos para isso. Motivos para infelicidade, todos nós temos, em maior ou menor propensão. E já que é assim, melhor pagar o preço dessa infelicidade, se o resultado é ser tão linda e ter o mundo aos seus pés.

        Fiquei então pensando o que faria algumas pessoas mais sedutoras que as outras. Seduzir tem toques de magia. O sedutor consegue criar uma atmosfera de fantasia, algo irreal. Ele seduz porque inebria. E quem inebria, faz com que o inebriado não aja mais por si só, mas apenas em busca da manutenção dessa fantasia.

        Pessoas excessivamente transparentes, tais como a desengonçada que vos escreve, jamais serão sedutoras. Não sabemos criar esse ambiente fantástico, o tal jogo do cobre e descobre, o mistério que cega e anestesia, o mecanismo de punição e recompensa. O sedutor nunca diz o que pensa, ele insinua, deixa a vítima em constante dúvida, controla sua mente nesse jogo de adivinhação eterna. O ser humano não consegue conviver com a dúvida. Quando instalamos a dúvida, prendemos, acorrentamos.

        Só que acorrentar não é o mesmo que ser amado. Talvez por isso Gilda seja infeliz. Talvez seja difícil conviver com o vazio dessa irrealidade que o sedutor cria ao redor de si mesmo. Talvez esse estado constante de dúvida atormente ainda mais o sedutor que o seduzido. Talvez porque os seduzidos, quando despertam, voltam-se violentamente contra o sedutor. E isso acontece tanto no amor, quanto nas amizades, quanto nos negócios.

        Vai ver então que é melhor apenas conquistar. Mostrando a alma, os defeitos, as qualidades. Conquistar, diferentemente de seduzir, é ganhar a confiança. É mostrar que você está ali, de coração aberto, na hora que o outro precisar. Conquistar não exige beleza, charme ou inteligência, exige apenas sinceridade. E quem é sincero pode não ser idolatrado, mas é sim, verdadeiramente, amado.

        É, fiz um discurso até bem bonito em minha defesa. E vamos lá, posso dizer que tenho sido razoavelmente amada durante toda a minha vida. Na realidade, normalmente ou me amam ou me odeiam, é esse o preço que se paga pela transparência. Mas é que tem dias que me bate uma vontade muito grande de ser Gilda…  Ah, pensando bem, talvez não. É mais gostoso (e fácil) ser real.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Xô, preguiça!




        Eu tenho preguiça. E muita. Aliás, todo mundo tem, não é mesmo? Duvido que mesmo Steve Jobs não tenha sentido preguiça durante a vida dele. Duvido que todos esses autores de livros motivacionais sigam o que pregam, sejam sempre proativos e nunca sintam preguiça.

        Uma delícia dormir e acordar na hora que der vontade. Passar o dia no sofá vendo televisão, de pijamas. Ler apenas revistas de fofocas, não colocar o cérebro pra pensar, só deixar o tempo correr. Ter alguém para cozinhar, lavar, arrumar a casa e os armários, cuidar dos meus gatos, enfim, não ter que fazer absolutamente nada. Aliás, nada não. Bom mesmo é ter tempo livre para se fazer o que quer.

        Mas quem disse que o preguiçoso tem tempo livre? Tem nada. Porque fazer nada toma tempo. E acontece que o preguiçoso é muito ocupado. E acontece também que o preguiçoso tem preguiça de fazer o que gosta. Pior, acontece que o preguiçoso tem preguiça de pensar no que gosta de fazer. Porque até fazer o que se gosta dá trabalho.

        É, daí o preguiçoso olha ao seu redor e pensa no tanto de coisa que deveria fazer. E dá mais preguiça ainda. E as coisas a fazer vão se acumulando, e tudo vai ficando cada vez pior. Bom, aí o preguiçoso entrega para Deus e fica na sua, já que tudo se torna impossível.

        Olho para meus gatos dormindo deliciosamente na minha frente e penso: ah, mas que preguiça gostosa… queria ter essa vida…

        Que nada. Quem disse que gatos são preguiçosos? Gatos passam do estado de sono para o estado de alerta em um milésimo de segundo. São extremamente organizados e não suportam bagunça nem sujeira. Cuidam muito bem do próprio asseio. São hábeis caçadores. Lição de vida: por isso desfrutam de um sono tão prazeroso.

        Então tá. Preguiça não é tão gostoso assim quanto parece. Preguiça dá agonia. Preguiça dá insônia. Preguiça dá irritação. Preguiça dá insatisfação.

        E como sair do estado de preguiça então? Ai, difícil de saber. Na verdade, é necessária uma força danada para vencer a preguiça. Porque ela é forte pacas. Mas só no início. Com o tempo, vamos negociando com ela até uma hora em que ela resolve esquecer da gente. Só não pode esquecer de negociar. Porque ela é tão esperta que a qualquer momento pode voltar e nos dominar. E aí, tome renegociações! E do zero…

        Este é um texto bem preguiçoso. Um texto de quem sequer arrumou a cama ao acordar e esqueceu de apertar o botão da máquina de lavar roupa. Mas pelo menos colocou o cérebro e as mãos para funcionar e resolveu fazer alguma coisa. Então, D. Preguiça, vamos negociar. Amanhã você vai me deixar em paz, ok?


terça-feira, 29 de novembro de 2011

Eu tenho medo da Bella


        Finalmente, a saga Crepúsculo chegou ao fim, ao menos nos cinemas. Pelo visto, com bem menos fôlego, porque não percebi a histeria que cercou os filmes anteriores. Mas, sei lá, também não convivo com tantos adolescentes assim.

        E qual seria o motivo da histeria? Ah, os meninos, é claro. Opostos e bonitos, cada qual ao seu jeito, capazes de gerar debates femininos sobre quem seria o exemplar masculino perfeito. O musculoso e impulsivo lobinho ou o cavalheiro e sofisticado vampiro. Ambos apaixonados pela adolescente desajeitada e medrosa, disputando o seu amor e por isso mostrando o que de melhor possuem.

        Bella Swann é uma mocinha bonitinha, mas não esplendorosa. Não possui nenhum atributo pessoal, nada que a distinga das demais mocinhas. Mas mesmo assim conquista o coração do ricaço misterioso e do fortão dedicado. Ah, o sonho de qualquer adolescente, dois príncipes encantados complementares a seus pés, sem que nada se tenha feito para isso, bastando apenas existir. Existir, com todas as suas inseguranças, medos. Mesmo assim, machos redentores estão ali, dispostos a cuidar de você, protegê-la de todos os perigos, desinteressadamente.

        Muito confortável. Confortável e altamente perigoso. Em determinado trecho de um dos filmes (sim, assisti trechos dos filmes e tentei ler os livros, antes de falar mal), a mocinha, abandonada pelo seu príncipe riquíssimo, resolve que vai se expor a situações de risco, pois descobre que dessa forma ele surge para protegê-la. Gente, qual a mensagem disso? Significa que, quanto mais frágil você for, mais perto o macho estará perto de você. Que quanto menos independente você for, menor o risco de perder o seu homem. Bella corre o risco de morrer para não perder o seu protetor.

        Pior ainda: Bella não tem qualquer objetivo na vida, nenhuma ambição, nenhum projeto pessoal, nada que lhe agrade realmente fazer. Não possui qualquer dote especial. Quer dizer, sua ambição, e pela qual luta obstinadamente, é ser vampira. E como pretende fazer isso? Unindo-se a um vampiro, apenas isso. Assim como periguetes e marias-chuteiras, que ambicionam ascensão social pelo casamento. Alguém poderia me apontar a diferença?

        Sei lá qual o efeito que isso tudo tem sobre o inconsciente das mocinhas. Tenho medo de que uma geração inteira de meninas saia prejudicada com tantos clichês. Que elas se tornem mulheres que, no futuro, pensem que o seu valor está na quantidade de homens que conseguem manipular com sua fragilidade. Sim, porque fragilidade atrai machões, e muitos. Uma mocinha frágil desperta o instinto de virilidade em machos inseguros. E machos inseguros disputam entre si, para provar quem é o melhor. Na realidade, pouco importa a mocinha. Importa provar quem é o mais macho, o mais perfeito.

        Mocinhas que são mulheres de verdade não suportam homens que não desejam a seus pés, por isso nunca se vê um mulherão sendo disputado por dois machões. Homens babões incomodam, atrapalham o caminho. Mulheres de verdade sabem o que querem, e dispensam com carinho aqueles que não querem. Porque não precisam de estepes para ampará-las quando se vêem sozinhas. Porque na realidade se viram muito bem sozinhas, e se amam alguém jamais será por dependência.

        Só homens de verdade têm coragem de se apaixonar por mulheres de verdade. Porque mulheres de verdade têm objetivos, têm talentos. Produzem, mobilizam. E homens de verdade não temem ser superados. Pelo contrário, admiram ser superados. Homens de verdade não têm tempo a perder com caprichos, porque não querem carregar ninguém, querem andar de mãos dadas. Embora dê muito mais trabalho, já que só homens de verdade sabem que a real virilidade está não só apenas em proteger, mas também em se permitir ser protegido.

        Enfim, esse é o meu desabafo feminista. Na verdade, talvez essas mocinhas manipuladoras sejam muito mais felizes que nós, pobres feministas lutadoras. Afinal, existem muito mais machos inseguros do que homens de verdade. Então… que venham mais Bellas Swann!

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Perigo!


        Eu estou no meio de uma TPM danada. É muito curioso porque há anos interrompi a menstruação, e um dos motivos é exatamente esse. É simplesmente uma questão de segurança pública. Mesmo assim, de tempos em tempos, logicamente com espaços muito maiores do que o normal, eu vivo esses sintomas, talvez por conta do inconsciente coletivo que faz com que todas as mulheres entrem num transe deslumbrado durante um certo período.

        Um amigo me contou que se trataria de uma revolta das mulheres contra os homens, e realmente inconsciente, pelos maus tratos sofridos durante toda a História da Humanidade. Seria um período em que todas descontariam suas agruras sobre este ser repressor, o Homem, que nada compreenderia e nada poderia fazer, portanto.

        Realmente, é algo que homem algum pode compreender. Nem nós mesmas. Na realidade, acho que esse meu amigo tem razão. Porque em determinado momento usamos nossos hormônios como desculpa para vivenciar esse estado que chamamos de TPM. E que na realidade mesmo significa: TODAS AS PARANÓIAS MULTIPLICADAS.

        Sim, porque é na TPM que o seu lado mais podre é revelado. Se a sua essência é de mulherzinha mimada, você fará biquinho o tempo todo. Se é de romântica incurável, vai chorar vendo comercial de margarina. Se quer ser mãe a todo custo, vai roubar o filho da vizinha.

        Agora, se você, como eu, é um monstro dominador que na realidade só se finge de cordeiro para poder viver em sociedade, minha amiga, tranque-se numa jaula. Porque a humanidade corre perigo, é sério. Porque em TPM eu me sinto capaz de destruir qualquer coisa com as mãos. E nem sonhe aparecer de cor de rosa na minha frente, que posso transformar esse cor de rosa em vermelho. Não me fale em príncipes encantados, nem em historietas de amor com final feliz. E se cantar música sertaneja então, morre! Choramingou, fez biquinho, ah, vai pastar….

        E a coisa é tão séria que já houve até o caso de uma mulher que matou o companheiro e foi inocentada, por estar em TPM. Não foi considerada culpada, por não estar no controle de suas faculdades mentais. Sim, homens, a nossa vingança sempre se come fria. Quem mandou vocês nos oprimirem tanto? Dá-lhe TPM agora.

        Bom, mas ainda bem que é só um surto. Depois, voltamos a ser domesticadas e podemos conviver em paz com os outros seres e com o ecossistema. Eu, do meu lado, vou ficar aqui quietinha na minha casa, por um tempo, por precaução. E não digam que eu não avisei.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Me dá um abraço?

       
           Eu adoro abraçar. Abraçar amigos, família, amores, meus gatinhos, e até almofadas e travesseiros. Não sou assim do tipo carinhoso grudento, daqueles que ficam alisando continuamente,  mesmo porque não tenho paciência para fazer a mesma coisa durante muito tempo, mas adoro esse momento abraço. Aquele momento de sentir o calorzinho do corpo da pessoa, sentir o coração dela batendo, de sentir uma pele respirando da outra. Parece que nesse momento você se entrega, se doa, pede para que confiem em você, dá e recebe aconchego.

        Tem gente que não gosta de abraçar. E tem gente que gosta, mas não aprendeu a abraçar. Eu teria mil histórias para contar a respeito de abraços, mas não posso. Perderia grande parte de meus amigos que, afinal, já devem ficar bastante ressabiados comigo, pois ultimamente qualquer conversa, qualquer fato vivido, corre o risco de virar uma crônica publicada aqui. Mas a verdade é que adoro abraçar quem não sabe abraçar. Adoro dar abraço urso nessas pessoas. Até elas saírem cambaleando, feito meus gatos, que odeiam os meus abraços. Ou fingem que odeiam, pois são gatos e nunca vão demonstrar o quanto adoram ser amados.

        Mas não consigo abraçar quem não gosta de ser abraçado. Sabe quando você está abraçando e a pessoa vai te soltando, bem rápido? Aí eu sinto medo. Medo de rejeição. Medo de incomodar. Acho que ninguém gosta da sensação de ser indesejado. Mas por que será que tem gente que não quer ser abraçada?

        Abraçar é mostrar emoções, simples assim. E não é todo mundo que quer demonstrar emoções a torto e a direito. Já eu nasci com essa necessidade irrefreada de transparência, de mostrar o tempo todo o que eu estou sentindo. Alegria, tristeza, carinho, ódio, decepção, raiva, amor, desespero, angústia, insegurança, qualquer tipo de emoção que você puder imaginar, caso ainda não tenha conseguido entender, você vai perceber no meu rosto, nos meus gestos, nas minhas palavras, nas minhas atitudes. O que, eu sei, às vezes é desesperador para mim e para as pessoas que me cercam.

        Abraçar é ainda um ato de entrega, de vulnerabilidade, de confiança. Quem abraça diz que está ali, pronto para dar e receber carinho, quebrando as fronteiras da individualidade por alguns instantes. Quem abraça com vontade abre aquela porta da alma para o outro ver, permite que a alma diga pro outro vem, pode me visitar.

        Só que às vezes você não consegue abraçar aquela pessoa que você mais ama. E não consegue entender. Abraça todo mundo, menos quem você mais ama no mundo. Por exemplo, eu demorei para conseguir abraçar meus pais. E até hoje eles não aprenderam a me abraçar direito. Filhos de japoneses, para eles amor é algo mais prático, é algo que se demonstra pela presença constante e segura. Todo o resto é supérfluo. Ou talvez eles não queiram que eu veja a alma deles, queiram apenas que eu os veja como fortes, sempre. Não foi de todo ruim.

        E por que eu estou escrevendo tudo isto? Porque escrever para mim é um abraço. Um abraço em quem eu conheço e também em quem eu não conheço. Este turbilhão de emoções ambulantes que sou eu às vezes se embaralha todo na vida real. Aí eu tenho que escrever, para organizar tudo. E acho até que tenho me saído bem. Então é isso. Estão aqui as minhas emoções para você que eu não conheço. E para você que eu conheço, amo e nunca consegui abraçar decentemente, eu peço o seu abraço.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

De mãos dadas


        Eu sempre choro em cerimônias de casamento. Choro porque acho lindo e acredito em casamentos, e as cerimônias, quaisquer que sejam, simbolizam essa união. Está lá para quem quiser ver, a despeito de todo o carnaval e qualquer comércio que se tenha criado sobre essa instituição. Mas calma, acredito em casamentos, e não em príncipes e princesas encantados, e muito menos em foram felizes para sempre, por simples magia, sem qualquer trabalho.

        Gosto da idéia do casamento, seja lá qual for o formato pelo qual ele se manifeste. A idéia de duas pessoas que, dentre tantas no mundo, se encontraram e escolheram uma à outra para viver os seus sonhos, desejos e tristezas, me encanta. Acho essa escolha um ato de extrema coragem que só pode ser tomado com muito amor. Você escolhe que é aquele alguém que vai caminhar com você, de mãos dadas. Outras tantas pessoas vão surgir pelo caminho, mas é naquelas mãos que você segura. Em algumas horas segura para apoiar, em outras segura para se apoiar. Segura porque confia. Segura porque sabe que vocês querem chegar ao mesmo lugar, mesmo que em alguns momentos vocês tenham que desviar um pouco do caminho. Aí vocês se soltam, sem medo, porque, em algum momento, os caminhos vão voltar a se encontrar, e vocês poderão continuar andando de mãos dadas. Não há pressa em chegar, e nenhum dos dois pensa em chegar antes do outro. O bacana é o caminhar de mãos dadas, o bacana é chegar onde se pretende juntos. Ou então não ficar triste se não conseguirem chegar. O que importa mesmo são as mãos dadas.

        Casamento para mim é isso, andar de mãos dadas. E isso não implica em morar junto, visitar os familiares nos fins de semana, agüentar churrascos dos amigos de trabalho. Sim, pode até ser isso, se você gostar do pacote tradicional. Mas o pacote tradicional não é necessário para que se viva um casamento.

        Tem gente que pensa que é casado, mas não é. Aí se põe a falar mal de casamento. Diz que casamento destrói o amor. Que nada. Casamento só existe enquanto houver amor. Se você não sente amor, não é casado. Se você não respeita, não admira, não confia e não faz planos com o seu cônjuge, você não é casado. Se você não se sente à vontade para falar o que pensa, de ligar na hora que der vontade, de contar como foi seu dia, de reclamar de Deus e do mundo inteiro num dia ruim, de usar uma camiseta horrorosa e rasgada para assistir televisão, e se a pessoa não tem paciência para tudo isso, você tem um roomate, não está casado. Vocês estão um ao lado do outro, mas não de mãos dadas. Suas mãos apenas se tocam de vez em quando, nos momentos de prazer.

        E é por isso que eu gosto tanto das cerimônias de casamento. Nelas as pessoas tornam pública a sua escolha, nelas as pessoas contam para todo mundo que pretendem caminhar juntas. E isso exige muita coragem. Porque ninguém quer dizer para todo mundo que fez uma escolha, para alguns dias depois desistir dela. Ou melhor, não deveria…. mas isso é outra história, estou ainda no simbolismo. Quem escolhe diz a todo mundo por quem vai lutar, apesar de toda essa dificuldade que é amar. Sim, pois amar não é fácil, exige carinho, foco, e muito trabalho, diário. Como tudo na vida que tem importância, aliás. Ah, e as mãos dadas, sempre.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Como assim, outro filho?

        
       "No ano que vem, eu vou ter mais um filho!". A minha amiga soltou essa frase entre um pedaço de pizza quatro queijos e outro de pizza zucchini, os olhos brilhantes e um sorriso largo. Isso depois de eu relatar animadíssima todos os meus planos para o futuro, planos mirabolantes e aventureiros, convencida de que estava planejando a existência mais interessante do mundo.

        Não sou muito hábil no trato social, e não sei exatamente qual foi a minha expressão quando ouvi a bombástica frase. Confesso que fiquei estarrecida, cheguei a perguntar se foi opção ou se foi sem querer. Puxa, já são duas as crianças, um menino e uma menina, uma graça os dois, já estão crescendo, e não estava bom, o casal já poderia voltar a viver, freqüentar restaurantes, festas, viajar… Como assim, mais um filho???? Cheguei a cometer a indelicadeza de perguntar o porquê dessa decisão, tamanho foi o meu espanto.

        O papo continuou, divertido como sempre, continuamos a dar muitas risadas, aquelas risadas que só a intimidade propicia. Comecei então a contar o quanto qualquer rotina me sufocava, que não conseguia viver sem imaginar alterações e mudanças de rumo na vida, da minha necessidade de conhecer mais e mais coisas, e que achava que gente como eu jamais conseguiria viver a estabilidade de uma vida com filhos. Ela retrucou: "Ah, não existe nada mais emocionante na vida do que ter filhos. Um dia nunca é igual ao outro. São emoções o tempo todo!".

        Pronto. Dois a zero para ela. Parei finalmente para pensar no meu pré-conceito. Na minha cabeça, as pessoas com filhos eram acomodadas que desistiam da própria vida para se realizar em outra. Mas não, que coisa. Ter filho é um ato de muita coragem e aprendizado. É perder-se de si próprio, experimentar um amor tão grande que faz você livrar-se de suas próprias manias e loucuras. Não que filho seja a redenção dos pecados, mas realmente é um constante renovar, uma descoberta emocionante do mundo através de uma outra vida. Relembrar como era simples viver quando ainda não tínhamos vestido nossas duras armaduras.

        Mas calma, não fiquei com vontade de ser mãe por conta dessa conversa. Só gostei ainda mais um pouquinho dela depois disso, mas foi só isso. E gostei porque somos tão diferentes, afinal. Ela é doce, estável, equilibrada. Sempre tem a palavra certa para apaziguar uma tormenta. Já eu sou a própria tormenta. Impulsiva, explosiva. Movimento tudo ao meu redor, não existo para acalmar, existo para balançar o que já existe. Mas no fundo somos tão parecidas… buscamos praticamente as mesmas coisas, só que por caminhos diferentes. E não é essa a graça da amizade? Conseguir ver o mundo através dos olhos do outro, e respeitar e amar. E aprender, muito. Uma delícia essas diferenças.

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Tempero!


            Comida é boa quando tem tempero. Até os ingredientes mais deliciosos tornam-se muito mais coloridos e saborosos com os temperos certos, na medida certa. Embora temperos e outros acompanhamentos pareçam muitas vezes supérfluos. Um abacaxi bem doce, por exemplo, é delicioso por si só. Mas experimente grelhar uma fatia, colocar raspas de limão e algumas folhinhas de hortelã. Não fica mais bonito? E se fica mais bonito, não fica também mais saboroso?

            A vida também é assim. Só que o tempero da vida é o carinho. Pode-se muito bem viver sem ele. Vamos continuar dormindo, acordando, trabalhando, sentindo prazer e até seremos bem felizes com nosso cotidiano. Mas experimente colocar carinho em tudo para perceber como fica muito mais colorido. Tem que trabalhar? Coloque carinho no trabalho, amor, paixão. Cuide dos afazeres como um presente a ser dado a todos. Todo mundo vai perceber os temperos e as cores.

            Gosta dos amigos, dos familiares? Cuide deles, mime-os. Ligue, diga palavras doces. Escreva, mostre-se presente, mesmo longe. Seus pais merecem, por todo o amor incondicional que sempre lhe reservaram. E seus amigos, eles são a família que você escolheu. Então segure-a bem firme junto a você.

            Tem um amor? Muitas vezes achamos que temos um amor, conquistamos e pronto. Ele vai estar para sempre ali. E, realmente, pode sempre estar mesmo. Só que, se você cuidar dele, vai ser muito diferente. Quantos casais existem que se amam, mas se esqueceram da conquista diária. E não era deliciosa a fase da conquista? Por que encerrá-la então? Por que não conquistar todos os dias, mais um pouco? Por que não dizer palavras bonitas sempre, olhar sempre, abraçar sempre, sorrir sempre? Por que não passar a eternidade conquistando, como se fosse a primeira vez? Se aprendemos a  cuidar todos os dias do nosso amor, ele só vai crescer, cada vez mais forte. E mais saboroso.

            Temperar ou não faz parte das escolhas de nossas vidas. Trabalhar, praticar esportes, estudar, estar com os amigos, com seus pais, com seu amor. Colocar carinho e cuidado em tudo, olhar para o outro sempre, deixa tudo muito mais bonito. Dar é tão bom quanto receber. Quando há reciprocidade, então, é mais gostoso ainda. Baixar nossas muralhas e permitir que a generosidade tome conta de tudo. Não será essa a receita de uma vida temperada, colorida e saborosa?

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Preciso de você


        Preciso de você. A frase de sentido mais contraditório que pode existir no mundo. Parece coisa de gente covarde, e pode ser mesmo. Quem diz que precisa de alguém está admitindo que não consegue se virar sozinho. Mas será que existe algo mais corajoso do que admitir que você precisa de alguém?

        Precisar de alguém significa que você não quer fazer ou viver algo sozinho. O que não significa necessariamente que você não possa fazer ou viver sozinho. Todos nós podemos. Se precisarmos, podemos. O ser humano tem uma capacidade absurda de adaptação, e por isso sobrevive às mais adversas situações.

        Bem, existe o precisar em vários níveis. Tem gente que precisa muito dos outros. E precisa porque quer estar rodeado de pessoas. Tem gente que diz que não precisa de ninguém. E prefere ficar isolado.

        Não é ruim viver isolado. É muito mais fácil, até. Não existem decepções, não existem tristezas. Não se sente sozinho. Não se espera nada. Parece perfeito. E é mesmo.

        Mas se é perfeito, significa que é bom? Não sei. Sei que escolho precisar de algumas pessoas. Escolho porque quero tê-las por perto. E gosto quando precisam de mim. Porque não tem nada mais gostoso nessa vida do que se sentir útil para alguém. Quanto mais amo, mais preciso. Preciso que cuide de mim, e preciso que precise de mim. Precisar de alguém é entregar-se, é um presente que se dá a pessoas que escolhemos como especiais em nossas vidas. É dizer a alguém quão importante ele é. É destacar quem se ama de toda a multidão.

        Mas precisar mesmo, não precisa. Ruim mesmo é quando você não tem essa consciência, e pensa que depende de todo mundo pra viver. Mas é legal quando você escolhe as pessoas que você precisa. E quando você sabe que foi escolhido. E passa então a compartilhar sua vida. E existe algo mais corajoso do que entregar parte da sua vida a alguém? E existe algo mais gostoso do que compartilhar sua vida? 


quarta-feira, 14 de setembro de 2011

O que é um amor louco?


        Não consegui entrar na palestra do Xico Sá na Escola São Paulo hoje, sobre crônicas. Fiquei chateada, estava muito curiosa para assistir essa palestra. Não só porque o Xico Sá escreve textos divertidíssimos, mas porque adorei o nome: "Crônica de um amor louco".

        Estou há dias imaginando o que seria a tal crônica de um amor louco. Adoro amores loucos. E o que seria um amor louco para o Xico Sá, fico me perguntando. Será que ele vai falar realmente de um amor louco ou simplesmente escolheu um nome de impacto para sua palestra?

        Bom, já que por enquanto vou ficar sem saber o que é um amor louco segundo Xico Sá, vou aqui brincar de descrever um amor louco segundo eu mesma.

        Amor louco obviamente não tem lógica nenhuma. Amor louco é clichê total. São brigas arrebatadoras, aquelas de fazer tremer o corpo inteiro e ter vontade de matar ou morrer, para no instante seguinte fazer as pazes, sorrindo, e esquecer o motivo de tanto desatino. Amor louco é odiar na mesma proporção em que se ama.

        Amor louco é enlouquecer pelo cheiro, pelo toque. É tornar-se um animal, seguir os instintos mais primitivos. É esquecer de qualquer regra de civilidade entre quatro paredes.

        Amor louco é recitar textos que fariam até um autor de novelas mexicanas sentir vergonha alheia. Recitar, repetir e ainda achar que está impressionando. E, pior ainda, conseguir MESMO impressionar a outra pessoa com essas baboseiras.

        Amor louco é ter aquela sensação de que não haverá dia seguinte. Todo aquele que ama loucamente tem no seu subconsciente a certeza de que ocorrerá uma hecatombe nuclear a qualquer instante, e por isso todos e quaisquer assuntos devem ser resolvidos e vividos agora. Porque o amor louco não suporta sequer pensar em resolver qualquer coisa no dia seguinte.

        Amor louco é dramático. Tudo é intenso. O amor louco usa lentes de aumento gigantes, já que nada é insignificante. O medo, a felicidade, o ciúme, a insegurança, a saudade, o matar a saudade, tudo tem proporções gigantescas.

        Amor louco é incompreensível para quem está de fora. E também para quem está de dentro. Amor louco a gente inventa. Pra se distrair. Mas é bem melhor se você conseguir encontrar um outro louco que aceite viver isso tudo com você. Porque senão você vai ganhar é uma ordem judicial restringindo sua proximidade da vítima. E isso não vai ser nada divertido. Embora seja bem louco.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Valsinha

         
Um dia ele chegou tão diferente do seu jeito
de sempre chegar
olhou-a de um jeito muito mais quente
do que sempre costumava olhar

        Estava voltando para casa numa madrugada, quando a minha amiga Priscila viu um casal dançando no ponto de ônibus. Achou bonitinho. Já que tinham que esperar o ônibus, resolveram se divertir.

            Imediatamente me veio à cabeça a canção "Valsinha", do Chico Buarque. Chico sempre me emociona, em diferentes momentos da vida e por diversas razões. Pode não ser um grande cantor, mas interpreta com tanto sentimento seus versos que esquecemos que ele não é lá muito afinado. E com aqueles tímidos olhos verdes, para que ser afinado, oras bolas.

            Valsinha conta a história de um casal já desgastado pelo cotidiano e suas dificuldades. Um dia, o marido resolve chegar diferente. Olha para sua esposa com olhos de homem, e não de marido. Esse simples olhar faz com que ela se sinta mulher de novo, desejada. E a convida para passear, sem falar das suas agruras diárias.  A canção vai crescendo, e junto com ela a mulher, que resolve se fazer bonita para o seu homem, já que finalmente vai ser olhada. Renasce. E saem para passear, começam a dançar, trocam carinhos apaixonados, e ficam mais bonitos, e enxergam tudo mais bonito, e tornam tudo ao seu redor mais bonito.

            A canção termina e você se sente feliz. Começa a achar tudo ao seu redor mais bonito também. E tem vontade de dizer palavras lindas para quem você ama. Ou, se não ama ninguém, acaba ficando com vontade de amar.

            Amor torna tudo mais bonito. Tantas vezes ficamos afogados em nossos próprios problemas, sem achar solução, nos sentindo infelizes, quando na realidade basta olhar para quem está ao nosso lado. E que também está se sentindo afogado em seus próprios problemas e se sentindo sozinho, tanto como nós mesmos. Uma palavra bonita, um gesto de carinho e de doação, esquecer um pouco de si próprio e provocar um sorriso no outro têm um efeito muito mais que terapêutico. Uma alegria provocada em alguém expulsa a sua própria tristeza. E sua alegria vai contagiando todos ao seu redor. E a única coisa que você fez foi sair do seu mundinho e olhar para o outro ao seu lado.

            Funciona com amigos, com o trabalho e principalmente no amor. Sair de si próprio, olhar e desejar. Olhar e sentir as necessidades. Olhar e escutar. Olhar e falar. Olhar e tolerar, entender. Olhar, olhar sempre. Olhar e se permitir ser olhado. Não existe amor entre pessoas que não se olham.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

É só amor, nada demais...

           Se tem uma coisa que a gente não escolhe na vida, é quem a gente ama. Podemos escolher nossa profissão, onde vamos morar, nossos amigos, o estado de alegria ou de tristeza, mas não quem a gente ama. Podemos até escolher quem a gente quer ao nosso lado, compartilhando nossa vida, e podemos até dizer que isso é amor, e chegar mesmo a acreditar nisso. Podemos até agir como quem ama, mas ainda assim vai ser muito diferente daquilo que se sente por quem a gente realmente ama.

            A gente pode amar a pessoa mais errada do mundo, e sabe disso. Mas a gente continua amando. A gente sabe de todos aqueles defeitos, de todas aquelas fraquezas, sabe e enxerga, mentira quem diz que o amor é cego. O amor não é cego não, ele vê tudo. É que o amor não julga, ele simplesmente ama tudo o que vê. É aquele jeitinho diferente de sorrir, um dentinho meio torto, um jeito destrambelhado de andar, aquele tique nervoso, aquela impetuosidade que a todos aborrece, tudo isso que é irritante aos olhos dos outros parece lindo aos olhos de quem ama. E a gente defende o ser amado com todas as nossas forças, mesmo percebendo o quanto ele erra.

            Os moderninhos de plantão adoram estabelecer regras ao amor. Dizem que ele só funciona se você não perder sua individualidade. Dizem para respeitar a liberdade. São tantas regras, é tanto respeito que parece até difícil amar. E se eu sentir saudade e quiser ligar? E se eu estiver carente e precisar de um abraço? E se eu me sentir insegura e quiser chorar? E se eu não gostei do jeito que você me tratou? Não, não pode. Tem que respeitar, tem que agüentar tudo sozinha. Porque é tudo problema meu, e não da outra pessoa. Não se pode importunar o outro com as nossas necessidades, porque afinal de conta ele tem as dele e você não pode ultrapassar limites.

            Só que amar é invadir e querer ser invadido. É querer que a pessoa saiba de todos os detalhes da sua vida. É querer dividir. Na verdade, nem é dividir. Não existe o meu e o seu quando se ama. Não se imagina provar algo sozinho, não se imagina que aquele sabor especial não possa ser sentido também por quem se ama. Tudo o que se experimenta, tudo o que se sente, cada alegria, não se consegue imaginar que o outro não sinta também.

            Parece absurdo? Pois é sim. Ou melhor, é amor. Amar muda a gente. Quem ama faz coisas que  jamais imaginaria fazer por alguém. Aquele ser tão egoísta, de repente passa a cuidar e acarinhar. A pessoa avessa a carinho, passa a passear de mãos dadas e querer ficar abraçadinha. O não romântico passa a dizer palavras bonitas e enviar flores. Quem ama esquece toda a carcaça que construiu para si próprio, perde todas as defesas. Parece insano, não? Mas não é não.

            O problema é que, quem vai despertar tudo isso na gente, não é questão de escolha. Mas é questão de escolha querer viver isso tudo. Sério, você não precisa viver esse tipo de coisa. Não vai ser mais ou menos feliz por causa disso. Nem melhor ou pior que alguém. Afinal de contas, é só amor. Não é nada demais.

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Apaixone-se!

         

        O apaixonado é um injustiçado. Criou-se para ele a imagem de um ser etéreo, desligado, totalmente alheio a qualquer outra coisa que não seja o objeto de sua paixão. O apaixonado tem fama de improdutivo, de um ser com o qual não se pode contar, pelo menos enquanto ele estiver nessa fase assim, digamos, "anestesiada".

         Pois acredito que estar apaixonado não é, de forma alguma, estar em algum estado distante da realidade. Muito pelo contrário. O apaixonado é o ser mais focado do mundo. Ele direciona todas as suas forças ao objeto de sua paixão, e todos os seus atos se voltam para bem realizar aquilo que ele deseja.

        Talvez a confusão aconteça porque, quando dizemos paixão, a primeira coisa que vem à cabeça das pessoas é o amor romântico. Mas existem tantas outras paixões… Paixão por um ideal, por um esporte, por um trabalho, por uma vocação, por um talento, por um país, um lugar … até por dinheiro, por que não? São as paixões que nos movem. E tanto mais nos movemos quanto maior for a nossa capacidade de nos apaixonar. É incrível pensar que aquilo que fazemos por paixão tira do nosso corpo a preguiça, a tristeza, o desânimo. Mais incrível ainda a sensação de ver realizado aquilo em que tanto nos empenhamos, com a emoção. Mesmo que aquilo não tenha aparentemente utilidade alguma. Digo aparentemente, porque sempre tem uma utilidade. Ainda que essa utilidade seja unicamente proporcionar a sua própria alegria.

        Mesmo a paixão romântica é produtiva. Quem está apaixonado por alguém se empenha em dar o melhor de si. Quer ficar mais bonito, mais inteligente, mais gentil. Descobre que pode ser uma pessoa melhor. Aliás, quer ser uma pessoa melhor para impressionar a sua paixão. Ok, para quem olha de fora um casal de apaixonados é às vezes um pouco irritante. Mas é só porque nos sentimos excluídos de tanta felicidade. Somos invejosos, isso sim.

        Tem gente que não se apaixona por nada, e fico pensando o porquê. Talvez seja o mesmo motivo pelo qual tem gente que não consegue se apaixonar por ninguém. O medo. Apaixonar envolve o risco de se expor ao ridículo, de falhar, de errar, de ser criticado, de se decepcionar. Então parece mais cômodo ficar quietinho no seu canto, vivendo sem se mexer, sem sofrer e sem euforia. Só vendo o tempo passar. Assim não se erra, afinal de contas. Assim apenas se observa.

        O apaixonado é mesmo ridículo. Fala bobagens, faz bobagens. O tempo todo. Mas é que ele faz muito. O apaixonado é tão eufórico que tem idéias e mais idéias. E é lógico que metade delas cai por terra. Mas tem a outra metade que dá certo, sim. Só que o apaixonado é tão exagerado que dá a impressão de que só acontece o errado. E todo mundo ri e critica o apaixonado. Mas quer saber? Ele não está nem aí. A alegria de um apaixonado é algo que só outro apaixonado compreende.

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Feliz Dia dos Homens!

        O dia está quase finalizando, mas ainda dá tempo de eu deixar aqui a minha homenagem a esses seres tão discriminados e incompreendidos, os homens. Quando acordei vi os primeiros registros virtuais a respeito do tema e não dei muita importância, mas afinal nunca dou mesmo importância a esses dias especiais. Mas, nesse caso, o que era indiferença foi tornando-se uma diversão.

        Os primeiros testemunhos na internet foram tímidos, de estranheza: como assim, hoje é Dia do Homem? Aos poucos, as pessoas foram assimilando a idéia e surgindo os primeiros parabéns. Mas esses parabéns, poucos assimilados ainda, tornaram-se, mais tarde, chacota. Homens lindíssimos, abdomens tanquinho…. para então passar para a chutação de balde geral, que foi a divertidíssima frase que circulou pelo Twitter e Facebook mais  ou menos assim: Parabéns aos homens de verdade; aos moleques, aguardem o Dia das Crianças!

        Depois de um irreverente protesto masculino, que dizia assim: "Já pensou eu vir aqui e dizer: parabéns a todas as mulheres maravilhosas, mas as cachorras que esperem o dia de vacinação.", comecei a pensar como realmente deve viver em crise constante o homem moderno. Nós mulheres nem conseguimos admitir que eles possam ter um dia só deles! Exigimos nossas homenagens, mas nos recusamos a prestá-las, ou prestamos somente àqueles que achamos que merecem!

        Vejam só a dificuldade, meninas. Se eles atacam, são invasivos. Se esperam o ataque, são frouxos. Se eles não se arrumam, se depilam, malham e não são cheirosos, são ogros. Se fazem tudo isso, são metrossexuais. Se ficam em rodinhas para discutir futebol e falar de mulheres com os amigos, são machistas. Se andam demais com meninas e são sensíveis, adoram filmes de arte, acabam virando o irmãozinho, o amigo gay. Se são prestativos e cuidadosos, tratamos como escravos. Se não fazem nada por nós, tachamos de homem das cavernas. Caramba, como eles vão entender como devem se comportar?

        Bem queridos, em nome da classe feminina eu não vou entregar a resposta de bandeja para vocês. Mesmo porque creio que nem temos a resposta exata. Somos instáveis mesmo, e desde que o movimento feminista e os meios de comunicação nos deram canais de manifestação, resolvemos colocar todos os nossos sentimentos para fora. E somos como o mar, com vários humores num só dia. Mas quero deixar registrado que amamos vocês sim. Amamos o menino que existe em vocês, porque a natureza colocou em toda mulher, por menor que seja, um tantinho assim de instinto maternal. E suspiramos pelo Super-Homem, mas é o Clark Kent que nos enternece. E reclamamos por reclamar, porque se elogiamos demais vocês, vocês se acomodam. E nem tentem ser perfeitos conosco, porque toda perfeição é enjoativa, já que nunca é verdadeira. E é tudo tão mais simples do que parece ser, incluindo nós mulheres.

        Enfim, minhas sinceras homenagens a vocês, queridos homens. Por existirem assim como são, tão diferentes de nós. E que vocês continuem matando baratas por nós através dos séculos, por favor.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Sonhos da meia-noite

           
            Assisti "Midnight in Paris", de Woody Allen, pela segunda vez, e saí do cinema com a mesma sensação boa que tive na primeira. Dizer que Paris é um sonho é clichê, mas ora bolas, Paris é mesmo uma cidade onde se tem vontade de sonhar. Não é à toa que é a cidade preferida de escritores, pintores, músicos. E o herói da história, Gil Pender, também é o mais clichê dos sonhadores, quase infantil, mas como ele nos torna felizes! Gil é um escritor de roteiros hollywoodianos doce, ingênuo, e sonha com a beleza de um tempo onde a arte, a liberdade e a transgressão floresciam por todos os cantos. Só que ele mesmo não consegue tirar os pés do chão, o que acaba travando a sua escrita e por consequência, a sua vida. Afinal, voar é um tanto quanto perigoso, e tão mais fácil escrever roteiros de fácil aceitação pelo público, que por sua vez também adora o divertimento previsível e efêmero…

        Em seus devaneios, conhece os artistas da Paris dos anos 20 tal e qual seriam em sua imaginação. Livres, espontâneos, sem rédeas, autênticos. Totalmente desprendidos das conseqüências de seus atos e dispostos a viver profundamente todas e quaisquer sensações que a vida pode proporcionar, sem qualquer medo. Aliás, essa é a função da arte, não? Mostrar que é possível ir além do que parece real. É a vida tal e qual Gil adoraria que fosse.

        Gil é apaixonante porque é um pouquinho de todos nós. Quantas coisas não gostaríamos de fazer, quantos sonhos não gostaríamos de viver e não vivemos, apenas por medo de tirar os pés do chão? Por ter medo das conseqüências, acabamos nos adaptando àquilo que é palpável e aparentemente seguro. O seguro nos parece confortável, e por isso não nos desprendemos daquele caminho que já foi percorrido tantas vezes por outras pessoas, sem nos dar conta de que o caminho talvez nem seja agradável.

        O filme é uma apologia ao prazer e à liberdade, e por isso é inevitável sair do cinema com um sorriso no rosto. Viver é simples, não é necessário tanto planejamento. As coisas se ajeitam se você permitir que elas aconteçam, embora todos pensem que o ideal é ter controle sobre as situações. Como controlar a nossa vida, que é  algo que simplesmente não conhecemos, e estamos vivendo pela primeira vez? A vida é feita de primeiras vezes, e penso que quanto mais primeiras vezes nos permitirmos sentir, tanto mais da vida será vivida.

        Simples, muito simples. Basta deixar acontecer e aprender o que fazer com isso. E sonhar. Sonhadores conseguem ir muito além de quaisquer limites

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Eu tenho medo sim


         Hoje eu senti medo. Fui andar de bicicleta e empaquei na brincadeira de descer em barrancos e escadas. Chegava na beirada, e não conseguia. Juro que não é frescura, é pânico mesmo. Medo de sei lá o que, só sei que chegava até a boca da descida e algum tipo de pensamento me impedia de descer. O pior é que as descidas eram pequenas, o risco de se machucar era mínimo, e mesmo assim… nada.
 
        O engraçado é que eu sempre me qualifico como intensa. Depois fiquei pensando, como uma pessoa tão medrosa pode ser intensa? A pessoa intensa se entrega totalmente às sensações, sem qualquer medo, sem qualquer racionalização. Simplesmente vive. Eu não. Quero sentir, paro e penso mas não consigo ir.

        O que é o medo? Medo é instinto de autopreservação, de não se arriscar naquilo que não se conhece, justamente para não se machucar. O medo paralisa. O medo nos torna agressivos, porque é sempre irritante você querer algo e não conseguir fazer. As pessoas reagem de maneira diferente ao medo. Algumas se acomodam à segurança e simplesmente menosprezam aquilo que não conseguem fazer, dizendo que é desnecessário, que são felizes com aquilo que já conhecem e pronto. Outras querem testar seus limites, o tempo todo, o que causa certa insatisfação, porque viver sendo desafiado realmente é um pouco cansativo.

        Para dizer a verdade, já nem sei mais em qual categoria me enquadro. Sei apenas que sou muito, mas muito medrosa, embora não aparente. Mesmo assim, gosto de ser confrontada com o medo. Ele me coloca diante de mim mesma. Parece que, quando sinto medo, surge outra de mim dizendo quem sou. Mostrando as minhas limitações, me despindo da minha arrogância. Veja só garota, você não é tão poderosa quanto pensa, olha só quanta coisa você não consegue fazer, você precisa da ajuda de outras pessoas.

        A sensação de vencer um medo também é única. Significa fazer algo que você não conseguia fazer, significa que mais uma possibilidade na sua vida foi aberta. Sim, porque ao nos aventurarmos por um caminho antes impossível para nós, o mundo fica um pouco maior. E você consegue enxergar outros caminhos para percorrer, caminhos que antes nem existiam no seu campo de visão, já que a partir do círculo em que estávamos não era possível vê-los.

        E quanto ao meu medo de hoje? Bem, desci alguns barrancos e uma escada simples, depois de várias tentativas. E estou contente, apesar de poder ter feito ainda mais. Mas posso dizer que a portinha que abri hoje, a duras penas, já me mostrou várias outras maneiras de enxergar o mundo. Ando devagar, mas ainda chego lá.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Cão que ladra não morde

       
       Todo ser humano é mau. É isso mesmo, não adianta fazer-se de desentendido e dizer que é bonzinho, porque nascemos maus. Basta observar uma criança. Quanto mais nova, mais maldosa ela consegue ser. Maltrata animais, quer tudo para si própria, nem se importa com o resto do mundo. E tanto é assim que chegamos a nos espantar quando uma criança nova comete um ato de bondade, como dividir um brinquedo ou uma gostosura qualquer. Vamos lá, se isso fosse natural, não ficaríamos tão espantados, não é mesmo?

        Crescemos e aprendemos que, se formos maus o tempo todo, ninguém vai gostar de nós. E como não queremos ficar sozinhos, vamos controlando nossa maldade até nos tornamos… civilizados!

        Bom, confesso que fracassei nesse estágio de evolução. Não consigo esconder minha maldade e vestir a fantasia da civilidade, o que me causa inúmeros problemas. E sabe qual o maior deles? Não saber economizar minhas doses de maldade para utilizar nas horas certas. Sim, é isso mesmo, como um filho pródigo, vou desperdiçando meu potencial em pequenas doses, a ponto de não encontrar a medida necessária quando preciso.

        De fato, minha revolta e indignação comigo própria e minha prodigalidade têm um motivo. Meu IPhone foi furtado na esteira de segurança do aeroporto de New Castle. Isso mesmo, naquela hora em que somos revistados e revirados por seguranças com ares de seriedade. E o que essa pessoa aqui com fama de má fez nessa hora? Gritou, esperneou, rodou a baiana e mostrou a que veio? Não, nada disso. Com uma civilidade inglesa e uma paciência nipônica, dispôs-se a conversar calmamente com a segurança, assistir ao vídeo inutilmente, esperar a polícia (não) chegar para fazer a ocorrência, até quase perder o vôo…. E embarcar no último segundo, sem o amado IPhone! IPhone 4, diga-se de passagem!

        Por que isso aconteceu? Não faço a mínima idéia. Não sou tímida, sou estouradinha e não teria problema algum em fazer um show. Mas essa hipótese nem passou pela minha cabeça, inclusive até agora não consigo me imaginar fazendo isso por conta de um objeto, mesmo sendo meu IPhone. E hoje mesmo sofri algumas agressões típicas da neurose urbana e de verdade só consegui enxergar o lado antropológico da coisa. Passei o dia pensando no motivo dessa calma toda e só consegui descobrir este: de tanto gastar minha malvadeza assim que ela surge não tenho energia para direcioná-la nos momentos certos. Sim, cão que ladra não morde. Perigo mesmo está em quem guarda direitinho um estoque imenso.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Eu tô voltando pra casa!


       Minha viagem está chegando ao fim. Já são quase vinte dias sem qualquer rotina, em um ritmo frenético. O curioso disso é que o que aconteceu há duas semanas parece já tão distante, tamanho o número de acontecimentos que se sucederam nestes dias todos.

       Daí me peguei pensando que a nossa vida só passa muito rápido quando não prestamos atenção nela. Quem viaja não quer perder detalhes, observa tudo e todos. A beleza de um edifício, de uma esquina, uma pedra especial, uma árvore curiosa, uma flor mais colorida, escutar com atenção um amigo conhecido ou uma pessoa que acabamos de conhecer, tentar se comunicar com o funcionário de um metrô, o garçom, o dono de um estabelecimento qualquer.... quantas vezes realmente nos interessamos pelo que está acontecendo à nossa volta, em nosso dia-a-dia? Quanto perdemos por não valorizarmos o que acontece à nossa volta, repetindo apenas aquilo a que estamos acostumados?

       Meu trecho Inglaterra/Escócia foi renovador. Começando pelo meu inglês, que acreditava ser bom, e descobri que é muito ruim diante do sotaque britânico. Passando pela mão inglesa, que quase deu pane no meu cérebro. As paisagens vitorianas e medievais, o modo polido e o sorriso atencioso dos ingleses e escoceses do interior. Pelos cuidados do Ale, que me recebeu em sua casa, e dos seus amigos Harsha e Sarah, pessoas tão doces e especiais, que me mostraram como é possível ter a sensação de família mesmo longe de casa.

     A França, bem... é a minha paixão. Franceses são sempre tão charmosos, em qualquer situação. Nunca subservientes, cada francês carrega a dignidade de liberdade, igualdade e fraternidade propagada pela Revolução Burguesa. Vi as meninas de um dos hotéis em que fiquei limparem as janelas com echarpe no pescoço e salto alto, maquiadas. Adoro esse brilho que nada nem ninguém apaga, essa independência que cada um deles carrega dentro de si. Franceses são como gatos, nunca serão dominados nem amestrados. Não cumprem ordens, fazem aquilo que deve ser feito e pronto.

     Estou ainda vivenciando Portugal. E procurando uma palavra para descrever este lugar. Mesma língua, país que deveria manter identidade conosco, já que é nossa mãe. Ou pai? Mas não consigo estabelecer a identidade entre nós, é tudo tão diferente, somos filhos rebeldes e desgarrados. Há lirismo e uma certa melancolia por todos os cantos, meu amigo Fábio diz que é culpa do fado. O fado é uma música que faz doer o coração. E acho que os portugueses são meio assim, vivem carregando uma certa tristeza e uma saudade que não tem motivo, ela só é inerente a todo ser humano, mas eles vivenciam tais sentimentos como algo muito natural.

     A vontade é de continuar, mas sinto já um certo cansaço. E saudade de quem ficou, principalmente. Meus olhos estão cheios de paisagens deslumbrantes, e meu coração de pequenas lições de vida dadas por cada um que cruzou o meu caminho. Só que para continuar a vivenciar essas sensações preciso da minha rotina. Um tempinho  para valorizar o que foi vivido. E aprender a colorir a minha vidinha, com tudo que eu estou trazendo na minha bagagem de volta.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

E vamos viajar!

           
             Estou de malas prontas de novo, vou viajar, uma das coisas que mais gosto de fazer. Engraçado que gosto muito mas também tem um lado meu que não gosta tanto assim. Viajar é bom, mas dá medo, dá saudade. Dá medo de enfrentar situações novas, totalmente diferentes do cotidiano. E dá saudade da nossa casa, da nossa família, dos nossos amigos, da nossa rotina…

            Mas não por acaso é exatamente esse o prazer de viajar. O prazer de enfrentar situações novas, conhecer lugares novos e pessoas novas. Sair da nossa zona de conforto, onde tudo já está estabelecido e onde reinamos absolutos. Presos no castelo que construímos para nós mesmos, sem nos dar conta dos erros e dos vícios que cultivamos, diuturnamente. Na injustiça que cometemos com quem amamos e com que nos ama. Perceber as inúmeras possibilidades que a vida nos oferece, de tanto que estamos acostumados com aquilo que criamos e acreditamos ser correto. Afinal, é tão fácil viver sabendo o que vai acontecer, é tão fácil sentir-se no controle de tudo e de todos.

            Essa sensação de controle é meramente ilusória. Na verdade, somos nós que, sem perceber, estamos sendo controlados pela rotina e pela acomodação. Repetimos, repetimos e repetimos, e nem percebemos o quanto deixamos de viver ao não olhar o mundo lá fora.

            E viajar não é só fazer as malas e mudar de lugar. Viajar é um estado de espírito. Tem gente que viaja mas não sai do lugar. Que viaja e continua presa ao próprio mundo, que por medo  não se solta, não se abre ao desconhecido. Vai, volta e continua o mesmo.

            Por esse mesmo motivo, também é possível viajar sem sair da nossa cidade, da nossa casa. É um pouco mais difícil, mas não é impossível. É só fazer algo diferente do que estamos acostumados. Ver um tipo de filme que nunca vimos, ir a um lugar que nunca fomos, comer algo que pensamos que não gostamos, conhecer pessoas sem preconceito, cultivar amigos novos sem descuidar dos antigos, abrir o coração para o que é novo, tentar experiências novas, não se viciar naquilo que parece confortável. Ouvir opiniões diferentes, questionar o que nos é dito, aprender a gostar do que nos parece estranho a princípio. E assim descobrimos que viver é sair um pouco de si mesmo, para depois voltar. Voltar com carinho, cheio de presentes novos, aqueles que o mundo e as pessoas podem nos oferecer e constroem dentro de nós um cantinho cada vez mais especial.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

A garota da capa vermelha


        Fui assistir ao filme "A garota da capa vermelha" decididamente contrariada. A sinopse dizia assim: versão Crepuscular da história de Chapeuzinho Vermelho. Nossa! Mais uma dessas baboseiras adolescentes em que a linda mocinha desprotegida, meiga, frágil, e completamente desinteressante é disputada por dois belos exemplares masculinos musculosos e intrépidos dispostos a tudo para conquistá-la e satisfazê-la. Essa idéia me incomoda muito, porque desperta nas garotas um sonho venenoso: o de ser protegida e amparada por um homem forte, que a defende de tudo e de todos. O que é apenas uma ilusão. Um homem que age dessa maneira apenas atende à própria vaidade. Ele não está preocupado com a mocinha, que pode ser qualquer uma, desde que desprotegida o suficiente. Ele está apenas preocupado em afirmar sua masculinidade perante os outros machos.  Um homem de verdade quer uma parceira que se defende sozinha e brilha ao seu lado, e não um bibelô. Um homem de verdade respeita e admira sua mulher. E respeito é tudo o que uma mulher de verdade espera de um homem. E admiração mútua é o combustível de um relacionamento de verdade.

        Enfim, meu feminismo à parte, diante da rinite atacada, da dor de estômago, do mau humor e do tédio que me assolavam, lá fui eu, pior não podia ficar. Fotografia medieval interessante, roteiro totalmente previsível. Duas crianças cheias de afinidade que crescem juntas e inevitavelmente se apaixonam, e está na cara que no final do filme vão ficar juntas. Mas não é que a mocinha me surpreende?

        Sim, ela é linda. Perfeita, ágil, inteligente. Parece que realmente foi dotada de todas as qualidades que uma mulher almeja. Faz parte de um conto de fadas. Mas o que me surpreende nela são pequenos detalhes que a distinguem das demais mocinhas. "Eu sempre tentei ser uma boa menina, mas...", diz ela em sua fala inicial. Ainda criança, ela se dispõe a matar um coelho com as próprias mãos, sob os olhos assustados do companheiro. Mata não por maldade, mas porque tem que ser feito e pronto. Essa sua característica é marcante. O que tem que ser feito será feito. Sem dramas, sem lágrimas, sem autopiedade. Acusada de bruxa, não hesita, admite tudo o que fez, aceita a pena porque tem que ser aceita.

        Sua determinação. Seu amor de criança é Peter, o lenhador pobre e tosco. Em nenhum momento ela hesita, a despeito do bom caratismo, da doçura e do amor de seu prometido, Henry. Não há dúvida, mesmo diante do mais fácil e confortável. Novamente, não há pena ou comiseração. Ela escolheu o seu caminho, pois reconhece em Peter qualidades que só a ela importam, e vai percorrê-lo.  E pronto. Não importa o que pensem ou digam.

        A autoestima é surpreendente. Provocada por Peter, que arruma outra garota para despertar seus ciúmes, ela revida, mas não caindo nos braços de outro homem. Sim, ela não precisa mostrar que é interessante só porque consegue despertar o interesse de outros homens. Tira uma amiga para dançar e o provoca, ela mesma, com toda a sua graça e sensualidade. Ela sabe que é interessante por si só, sem precisar de homem algum do seu lado. Quem precisa da procura para ser valorizada no mercado são as ações da Bolsa de Valores, não mulheres de verdade.

        Enfim, não vá ao cinema buscando uma verdadeira obra-prima. Mas é muito bacana o roteiro adolescente incutir de forma tão sutil valores tão saudáveis às meninas. Creio que Valérie nunca será tão popular como a chatinha e insossa Bella, de Crepúsculo. Bella está mais próxima do inconsciente frágil e acomodado que injetaram em cada uma de nós. Mas é uma sementinha. E afinal, ela conseguiu tirar meu mau humor e me fez sentir que sim, vale a pena ser forte. As coisas também funcionam para as não princesas, embora seu final não seja cor-de-rosa como o delas...

sábado, 14 de maio de 2011

I'm not Cathy


      Meu livro favorito, desde adolescente, é o Morro dos Ventos Uivantes. E Cathy, selvagem, inteligente, impetuosa, passional, destruidora, minha heroína através dos tempos. A paixão arrebatadora de Cathy e Heathcliff, que resiste a tudo, ao tempo, aos casamentos de ambos, aos filhos, à distância, sempre povoaram o meu imaginário tão aventureiro. Lindo demais um amor que resiste a tudo e a todos.

          Mas pensando bem, será que esse amor resiste a tudo porque é forte?

        Não, ele só resiste porque nunca se concretiza. Não é forte, é tão frágil que não tem coragem de acontecer, não tem coragem de enfrentar uma dura realidade que um amor de verdade exige. O amor romântico só é tão lindo porque é mantido sempre na linha da dúvida, o que exige demonstrações calorosas e jogos de sedução o tempo todo. O que realmente é lindo e delicioso no início, mas com o tempo transforma-se em mera obsessão. Deixa de ser saudável para tornar-se uma doença. Essa obsessão é destrutiva, e penso que é a causa de violências cometidas em nome do amor.

        Amor forte é o amor de verdade. Aquele que, passados os joguinhos da conquista, finalmente se concretiza. Transforma-se na certeza de ter finalmente encontrado aquele alguém especial. Alguém tão imperfeito como nós mesmos, e que nos complementa, nos torna melhores. O que significa caminhar juntos, traçar planos e projetos, olhar na mesma direção, lado a lado. Sem jogos de dominação, sem competição, sem vaidades. Conhecer e tolerar as diferenças, ter cumplicidade.  Ter consciência de que momentos de monotonia existirão, mas que vale a pena resistir e fazer valer a união. Sim, o amor forte é aquele que luta e impede o seu próprio fim, apesar do tempo, apesar das diferenças, apesar das crises, apesar do tédio. Um amor que resiste à convivência, porque o que se constrói a dois vale muito mais que qualquer outra breve emoção que se possa sentir.

        Cathy, minha heroína, na realidade era covarde. Nunca teve coragem de viver seu grande amor por Heathcliff. Não teve coragem de enfrentar os preconceitos, a pobreza. Preferiu viver sua vida burguesa, alimentando ao mesmo tempo a paixão de Heathcliff. Paixão obsessiva, que nunca conseguiu se concretizar, e destruiu não só a ambos, mas a todos ao seu redor. Cathy, no fundo, tinha medo de que esse amor talvez não fosse tão forte assim, a ponto de resistir à dura realidade. E preferiu deixá-lo dessa maneira, apenas no começo, com a intermitente ameaça de seu fim. Nunca terminaria, porque nunca começaria. Se encontrariam na morte, esta sim eterna e imutável.

        Continua sendo um lindo romance e uma linda história de paixão, que nos leva a emoções deliciosas de se sentir, com toda a habilidade de Emily Bronte, que tão jovem o escreveu. Uma linda história de paixão ( e não de amor), seguida pela obsessão, que a tudo destrói. Porque uma história de amor, de verdade, começa depois, quando o romance decreta "e foram felizes para sempre". Porque aí vão ser necessárias a força e a coragem para que a união sobreviva. E isso sim não é para qualquer amor.

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Ninguém quer ser sozinho

             
        De todos os medos do ser humano, é o medo de ficar sozinho aquele que mais molda as nossas vidas.

         Por medo de ficar sozinhos, namoramos, casamos, temos filhos. Queremos poder, queremos dinheiro. Fazemos ginástica, cirurgia plástica, cortamos o cabelo, usamos maquiagem e queremos estar na moda. Estudamos para ser interessantes. Por medo de ficar sozinhos, traímos, manipulamos, fingimos, mentimos.

         Mas sabe? Nada disso adianta. O namoro e o casamento podem acabar a qualquer momento, você pode até enviuvar. Os filhos vão embora viver suas próprias vidas, e assim deve ser. Ser bonito pode ser uma garantia de que as pessoas se aproximem por um tempo, mas não de que elas permanecerão conosco. Ter um bom papo, ser culto e inteligente apenas nos garante horas de conversa, mas não companhia para aqueles momentos de silêncio. E o poder e o dinheiro, esses são os piores de todos. Geram a ilusão de que nunca se está só, porque todos querem nos rodear. Mas é mera ilusão. Quanto a trair, manipular, mentir? Bem, o crime não compensa.


          Quem nunca está sozinho é quem é legal. E uma pessoa legal não é uma pessoa agradável o tempo todo, muito longe disso. Uma pessoa legal é uma pessoa honesta, que defende aquilo que acredita, mesmo que todos digam o contrário. Que não molda o comportamento pelas circunstâncias, e não diz apenas o que as pessoas querem ouvir, mas sim aquilo que sente. Que às vezes fica triste, e não tem vergonha disso. Que verdadeiramente gosta das pessoas que escolheu para viver ao seu redor. Que nunca nega ajuda a um outro ser humano, mesmo que ele não seja tão seu amigo assim. Que jamais vai faltar num momento de tristeza de um verdadeiro amigo, e menos ainda num de alegria. Que vai olhar para todas as outras pessoas sem preconceito de se aproximar, mesmo que elas pareçam muito estranhas num primeiro olhar. Uma pessoa legal é aquela que escancara para você todos os seus defeitos, fraquezas e fragilidades, mas mesmo assim você quer ficar perto dela. Porque uma pessoa legal não enxerga apenas o próprio umbigo.


        Aprendi isso em casa. Meu pai sempre agiu como entendeu ser correto, sempre foi sincero e honesto, mesmo que isso significasse ser ofendido e incompreendido muitas vezes. Nunca se deslumbrou com poder, nunca quis o poder, e nunca tratou alguém melhor por ter dinheiro ou ser poderoso. Sempre tratou a todos com o mesmo respeito. Me ensinou a não faltar em compromissos que me pareciam enfadonhos, como casamentos, aniversários ou formaturas, porque se fui convidada era importante a minha presença para a pessoa que convidou. Uma pessoa que aprendia coisas sozinho, pelo simples prazer de saber, sem nunca ostentar. Uma pessoa que me ensinou a sonhar , a querer conhecer o mundo, me ensinou a ver como são bonitas as tantas coisas que existem fora de nosso cotidiano.


          Tantas vezes não entendi porque ele agia assim, se isso significava não se dar tão bem na vida como as outras pessoas. Mas sei hoje que viver dessa maneira fez dele alguém que nunca vai ser sozinho. Impossível deixar alguém assim sozinho. Você sente vontade de ficar perto, mesmo quando ele age como um velho ranzinza, reclamão e cheio de manias. Porque é bom cuidar e ser cuidada por alguém que tem um coração tão grande assim.